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"A Fazenda" e "Masterchef" desrespeitam o trabalhador brasileiro

Ana Paula em "A Fazenda: Nova Chance" - Reprodução/R7
Ana Paula em "A Fazenda: Nova Chance" Imagem: Reprodução/R7

Especial para o UOL

04/11/2017 07h39

O telespectador mais atento já percebeu que a tendência do entretenimento mundial é a parcimônia. 

Se olharmos para as melhores séries do século 21, encontraremos como constante um número tímido de episódios por temporada. House of Cards nunca passou de 13, Strangers Things 2 teve apenas 9 e Game of Thrones contou com exíguos 7 capítulos em sua mais recente rodada.
 
O exercício de preparar 22 episódios para a exibição ao longo do ano sempre se mostrou desgastante. Basta lembrar quantas histórias cretinas eram criadas para encher linguiça. Apesar de ser uma prática recorrente desde muito tempo na TV a cabo, em atrações como The Wire e Sopranos, foi a famigerada Lost que começou a popularizar tal enxugamento em emissoras abertas. A tendência vive hoje seu auge com o alcance global da Netflix e sua “grade” flutuante.
 
Mesmo as comédias, com seus parcos 20 minutos de arte, também entraram de cabeça nessa onda. Não é difícil encontrar sitcoms com apenas 8 ou 10 capítulos por ano. Quando menos você se expõe, mais possibilidades terá para burilar o produto final e encantar o mundo. O que ajuda a explicar minha triste situação, já que continuo escrevendo diariamente uma miríade de abobrinhas por aqui.
 
Mas não estou só na prática de tal equívoco. Dois dos programas mais populares do entretenimento off-Curicica também não sabem a hora de parar. Masterchef na Band e A Fazenda na Record estão fazendo o possível para deixar participantes, produção e respeitável público absolutamente exaustos.
 
Um breve parênteses para falar sobre a febre das temporadas em território nacional, que atribuo à chegada de uma maior oferta de formatos do exterior no começo dos anos 2000. BBB e outras adoráveis pataquadas ajudaram a preparar o mindset que hoje compõe atrações de programas que vão desde o Mais Você até uma nova forma de compreender os pacotes narrativos anuais de Malhação, por exemplo. 
 
Quanto mais recursos a emissora tem, mais ela se dispôs a poupar o telespectador de repetições e prolongamentos desnecessários. Por isso que a Globo encontra-se a milhas de distância da concorrência: teve grana e competência para enxergar a beleza da parcimônia. 
 
Outrora infinito, atualmente o Domingão do Faustão oscila entre 2 e 3 horas na programação dominical. É tempo suficiente para desenvolver bem os quadros sem correr nem demorar muito.
 
Mesmo o BBB vem ficando mais enxuto ao longo dos últimos anos. Não começa mais no nos primeiros dias de janeiro, mas na metade do mês --e continua encerrando as atividades no alvorecer de abril. Os episódios são rápidos e rasteiros, dificilmente com mais de 40 minutos. Isso faz toda a diferença quando seu desafio é editar de maneira empolgante as interações de um nem sempre carismático bando de desocupados.
 
Como diz o filósofo Paulinho Gogó, “quem não tem dinheiro, conta história”. Ou pelo menos tenta contar. Vamos tomar como exemplo os dominicais da Record: A Hora do Faro e o Domingo Show são odes aos limites da paciência humana. Reportagens sofridas que tomam quase 4 horas ininterruptas de vida da audiência.
 
O drama, voltando à vaca fria, é exacerbado nas duas competições que mais comovem o cidadão brasileiro fora da Globo. 
 
Venho frisando há tempos que o Masterchef é inviável no atual formato. São cerca de surreais 50 episódios por ano, exibidos ao longo de mais de 2 horas por semana e adentrando as névoas mais sinistras madrugada. E poucos intervalos no decorrer da exibição, para evitar a lembrança da existência de controle remoto. 
 
A Fazenda não fica atrás ao nos confrontar com a absurda duração de 1 hora e 45 minutos em 3 oportunidades diferentes por semana. Nos outros 4 dias temos exibições mais curtas, mas quase sempre inócuas, pois tudo de mais relevante já foi ou será exibido nos “almanacões” com transmissão ao vivo.
 
Quem tem saúde para tudo isso? Além de mim, claro.
 
Os programas teriam muito mais chances de apresentar um conteúdo fascinante se o tempo do trabalhador brasileiro fosse respeitado. Além horários nobres bizarros de Record e Band chegando até a 1 da manhã, é financeiramente recomendável que a exploração dos sucessos seja feita com mais carinho. A exibição predatória tende a fazer com que virtuosas fontes de renda sequem muito mais rápido que o esperado --ainda que pareçam jornadas cansativas e intermináveis para quem está assistindo.
 
Voltamos a qualquer momento com novas informações. Provavelmente amanhã, com outro texto longo. Meu lema é “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Amplexos.