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Adrilles: A heroína do "BBB" exalta a relativização moral de nossos tempos

Ana Paula não venceu, mas protagonizou o "BBB16" - Reprodução/TVGlobo
Ana Paula não venceu, mas protagonizou o "BBB16" Imagem: Reprodução/TVGlobo

Adrilles Jorge*

Colaboração para o UOL

06/04/2016 15h05

Há quem diga que o "BBB" não deva ser visto como mosaico de vícios e virtudes ou como disputa entre o bem e o mal. E faz desta décima sexta edição o exemplo, em que mocinhos e vilões se confundiram em seus papéis clássicos. Mas é exatamente como disputa entre bem e mal que o público percebe o programa. A questão é a distorção ou amadurecimento ou mudança de percepção de bem e mal que realizou o público desta última edição.

Há um amadurecimento. Os pretensos heróis que interpretam uma virtude estática e insípida não enganam mais. Tipos como Matheus e Renan, que fazem do desejo afetivo -- ou da falta de desejo -- um apelo moral e sentimental para cativar público, são dispensados. E dispensados inclusive pelo grosso do público adolescente, que sustenta o "BBB", e que já consegue relativizar as próprias emoções.

11.mar.2016 - Renan curte a piscina com Matheus, enquanto brothers conversam na área externa - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Público já dispensa tipos como Renan, que usam o desejo afetivo para cativar
Imagem: Reprodução/TV Globo

Há o perigo. A relativização moral. Que se esboçou na figura de Ana Paula, a heroína torta do programa, que viu seus desequilíbrios serem coroados por seu carisma. O sucesso da personalidade esfuziante e divertida da moça transformou seus erros em acertos para seus fãs. Esta a confusão é ambígua. Se por um lado, seu charme residiu na exposição cristalina de sua fragilidade emocional, esta mesma fragilidade emocional - muitas vezes fonte de uma fragilidade moral – fica percebida como virtude a custo da diversão que oferece.

Ana Paula foi autêntica, é mais que claro. Nos seus erros e seus acertos. Mas seu carisma fez com que seus erros e acertos fossem servidos como um angu misturado que engorda seus adoradores. A heroína deste "BBB" é uma ode viva ao relativismo de nossos tempos. Que se vê espelhado no charme da ambiguidade moral que os alimenta. Sim, o "BBB" pode não ser um quadro de aprendizagem de vícios e virtudes. Em tese. Mas seu público consumiu vícios virtuosos como guloseimas Não sejamos ingênuos. Isto causa digestões diferenciadas na vida prática de seus telespectadores.

Há uma didática catártica em qualquer dramaturgia. Tanto mais num reality show. E o ensinamento desta edição é que não há mais pilar que sustente a interpretação canastrona de uma moralidade por demais óbvia e suspeita para o consumidor, que quer ver a vitória da graça, do charme, do humor (às vezes perverso) a qualquer custo. Como se na esperança que pudesse suprir o vazio moral de nossos tempos com o alimento da diversão sem considerações ou questionamentos. Ou considerando confusamente sua própria moralidade. Na verdade, quem mostra mais sobre sua confusão relativista não são os personagens deste "BBB16". E sim seu público.

O angu misturado da complexidade humana, tanto de seu público como de seus participantes, foi o ponto forte deste "BBB16". A moralidade complexa das personagens foi desnudada, numa espécie de transparência da confusão. Confusão mesmo nos personagens mais simplórios. O bom mocismo enterrado no clichê tedioso que matou Tamiel e Daniel. A psicopatologia ora mal ou bem-intencionada de um Ronan que cobriu de um véu indecifrado sua personalidade. A graça brejeira e calculadamente afetiva de uma Geralda, que fez de seus vícios seu encanto. Desta turma, não se pode dizer que ninguém se salva, nem que ninguém se condena totalmente. (A não ser na chatice de uns, pecado não moral, mas imperdoável para o programa).

5.abr.2016 - Munik é a vencedora do "BBB16"  - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Munik, a campeã, é a criança que devora e dispensa seus prazeres mais primitivos
Imagem: Reprodução/TV Globo

Sintomático que duas quase crianças tão completamente diferentes em sua infantilidade tenham chegado à final. Cacau, que interpreta pra si um sentimento e que crê fielmente em sua ilusão como instrumento infantil de sobrevivência. E Munik, a vencedora, que devora e dispensa seus prazeres mais primitivos, sem questionamentos maiores, como um bebê em estado de fome permanente de vida. O comportamento de ambas parece traduzir a personificação do público deste "BBB16". Público este que pode expandir sua definição: uma criança um tanto amoral, ávida por diversão, que ora distingue, ora se confunde com suas interpretações. Público- criança que se diverte e que aprende algo com esta diversão. Algo de bom, de ruim, ou de confuso. Mas a confusão pode ser um bom princípio. Princípio para ensinar esta outra criança, o próprio "BBB" -que começa a amadurecer a percepção da confusão que provoca.

*Adrilles Jorge é jornalista, escritor e participante do "BBB15"

Final do "BBB16" consagrou Ana Paula como protagonista

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