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A quem interessa a “vida real” de uma patricinha milionária?

Mauricio Stycer

06/10/2010 11h29

Lolita Pille fez sucesso mundial com a publicação de "Hell", livro narrado na primeira pessoa, ao longo do qual a autora descreve a rotina de noitadas regadas a vodca, cocaína e sexo de jovens milionários parisienses. Debochada e desbocada, a narradora de "Hell" se apresenta como "uma putinha do 16eme", o bairro rico de Paris.

Como outros relatos do gênero, o sucesso de "Hell" deve-se muito à sugestão de que o livro conta experiências da própria autora e de seu círculo de amigos. Lolita tinha 21 anos quando o lançou (publicado no Brasil pela Intrínseca), em 2003.

Por mais postiço que possa resultar, a proposta de relatar "a vida real" exerce grande fascínio, especialmente quando oferece ao público a possibilidade de contemplação de universos que ele desconhece – pode ser tanto a miséria em uma favela no Capão Redondo quanto o bas-fond de uma boate nos Champs-Élysées.

Como outros produtos da indústria cultural, o sucesso de relatos baseados na "vida real" de patricinhas endinheiradas e entediadas acabou gerando uma onda de livros semelhantes, além de filmes, novelas e séries de tevê. A suposta vida fútil das riquinhas de Nova York, Paris, Tóquio e São Paulo está hoje ao alcance de todos, para deleite, inveja e desprezo de quem consome "Hell", "Gossip Girl" e tantos outros produtos do gênero.

A estreia de uma adaptação teatral de "Hell", em São Paulo, aposta nesta onda e em algo mais. Realizada por Hector Babenco e Marco Antonio Braz, com direção do primeiro, a transposição do texto de Lolita Pille para a cena aberta tenta explorar justamente a literalidade da fala da autora-personagem, oferecendo ao espectador a possibilidade de ver/ouvir a "verdadeira" voz de "uma putinha do 16eme".

Além disso, a montagem é uma oportunidade para Barbara Paz mostrar que seu talento não se restringe, muito pelo contrário, a papéis chapados na televisão. A atriz se sai bem na tarefa, interpretando o quase monólogo na velocidade da vida trepidante da personagem.

O grande problema é que já estamos de tal forma bombardeados por "histórias reais" semelhantes que é difícil manter o foco em "Hell". Parece estranho que um texto com poucos anos de vida já soe tão velho e batido, mas é o que acontece, apesar dos cuidados da boa montagem.

"Hell" pode ser visto de quinta a domingo, às 20h, até 19 de dezembro, no Teatro do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 11 3146-7405).

Foto: Divulgação

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.