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Beijo gay é ousadia importante numa novela com problemas

Mauricio Stycer

13/05/2011 07h00

Quem assistiu "Amor e Revolução" nos últimos dois dias, na expectativa de testemunhar um momento histórico – o primeiro beijo gay numa telenovela brasileira –, deve ter se perguntado: como uma ousadia destas ocorreu numa novela tão convencional, didática e previsível?

Tiago Santiago merece crédito tanto por uma coisa quanto por outra. Teve a coragem e o senso de oportunidade de afrontar um tema delicado, transformado oficialmente em tabu pela Globo, e logo de uma forma radical: um beijaço, intenso e longo, entre as personagens Marcela (Luciana Vendramini) e Mariana (Gisele Tigre).

Dou um desconto à presepada feita pelo SBT, que prometeu exibir a cena no capítulo de quarta-feira – fato anunciado, inclusive, pelo telejornal da casa –, mas só a mostrou no dia seguinte. A expectativa criada pelo beijo foi vista pela direção da emissora como uma oportunidade para alavancar a audiência da novela, que ainda não decolou, depois de um mês no ar.

Mas não dá para ser condescendente com alguns problemas, mais do que visíveis, de "Amor e Revolução". A novela exige paciência do espectador. Tiago Santiago explicou, em entrevista a este blogueiro, que o excesso de didatismo se justifica pelo desconhecimento de grande parte  do público sobre os acontecimentos da década de 60 no Brasil.

Na sua visão, o didatismo incomoda a classe AB, mas não às demais. Tenho a impressão que ele está enganado. O tom de livro de história para crianças prejudica o ritmo da trama e constrange os atores, obrigados a reproduzir falas bobas e a fazer verdadeiros discursos em cena. Ninguém gosta de assistir telecurso às 22hs.

O tema da novela é ótimo e oportuno, mas isso não basta para transformar "Amor e Revolução" numa experiência agradável. No mesmo capítulo do beijo gay, por exemplo, um médico aplicou uma injeção com "soro da verdade" num paciente, segurando a seringa com uma mão e o revólver com a outra. Em outra cena, um militante de esquerda reclamava por trocar sozinho o pneu do carro, enquanto um padre recitava trechos da Bíblia e duas mulheres conversavam sobre o amor.

O público rejeitou as cenas de tortura, contou Santiago. Silvio Santos brincou a respeito, dizendo que a novela deveria ter mais amor e menos revolução. Por coincidência, na quarta-feira, dia do beijo gay que não ocorreu, "Amor e Revolução" mostrou uma cena de amor entre os dois protagonistas, José (Claudio Lins) e Maria (Graziella Schmitt), com direito a close nos seios da moça, dentro de uma igreja.

Santiago promete desenvolver a trama romântica entre as duas mulheres de acordo com o interesse e a resposta do público. Ele tem um longo caminho pela frente, antes disso. Precisa, primeiro, tornar a sua novela mais ágil e surpreendente.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.