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Por que “Geração Brasil” sofreu para capturar a atenção do espectador

Mauricio Stycer

30/10/2014 15h34


Estava de férias quando "Geração Brasil" estreou, em maio. Perdi as duas primeiras semanas da novela. Por algum tempo, culpei esse lapso inicial pela dificuldade que tive em embarcar na história. Hoje entendo que o problema foi outro.

"Geração Brasil" foi uma novela difícil. Mais do que atenção, ela exigia cumplicidade do espectador. O texto de Izabel de Oliveira e Filipe Miguez, os mesmos da divertidíssima "Cheias de Charme", abordou como tema principal o universo da tecnologia, dos nerds – um assunto, hoje, ainda longe de ter sido assimilado por todas as faixas de público.

Em torno disso, a novela apostou em um humor até certo ponto sofisticado, com referências ao universo pop, igualmente distantes do senso comum. O texto flertou com ficção científica, história em quadrinhos, desenho animado, seriados americanos, muita metalinguagem (veja o álbum de fotos no fim do texto), além de personagens muito pouco convencionais.

geracaobrasilbrianBrian Benson (Lázaro Ramos), um guru pop e espertão, passou a novela inteira pregando a respeito das vantagens de "sexo quântico". Sua mãe, Dorothy Benson (Luis Miranda), nasceu Dorival e era transgênero. Pamela Parker Marra (Claudia Abreu), ex-atriz americana, falava português com sotaque e confundia as expressões idiomáticas. Sua filha, Megan (Isabelle Drummond), incluía palavras em inglês em todas as suas falas.

geracaobrasilshinAlém dos protagonistas, "Geração Brasil" também estava repleta de personagens secundários enigmáticos ou extravagantes. Caso, por exemplo, do coreano Shin-Soo (Rodrigo Pandolfo), repórter de celebridades da Parker TV, ou Murphy (Arlindo Lopes), o faz-tudo do patrão, Jonas Marra (Murilo Benício), ou Danusa Marra (Valentina Bandeira), uma menina miúda, única integrante sensata em meio a uma família de doidos.

"Geração Brasil" ainda ousou ao promover um reality show dentro da novela – como se os muitos programas do gênero na grade da própria Globo e de suas concorrentes já não fossem suficientes. Jonas Marra, um Steve Jobs tropical, queria encontrar um herdeiro por meio do jogo na TV, mas só arrumou confusão.

geracaobrasilglauciaNão bastasse, ainda foi difícil entender os principais conflitos da novela. A complicada relação entre Glaucia (Renata Sorrah) e seu filho Jonas parecia girar como pião. Achei difícil entender e acompanhar todo o núcleo em torno de Iracema (Aracy Balabanian), repleto de personagens, cada um com uma história menos interessante que a outra.

Acho louvável que, apesar da pouca repercussão, e de uma audiência medíocre, "Geração Brasil", cujo último capítulo será exibido nesta sexta-feira (31), foi coerente do início ao fim. Nenhuma grande mudança de rumo ocorreu na tentativa de "salvar" a novela.

Desconfio que, no futuro, talvez, a história de Izabel de Oliveira e Filipe Miguez venha a ser mais bem compreendida. O fato é que a novela, apesar de todas suas extravagâncias, não capturou a atenção nem provocou reações dos espectadores.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.