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"Estou felizão" do nadador Fratus não é ofensa a repórter, mas informação

Mauricio Stycer

15/08/2016 13h33

Ao final da partida entre Holanda e Uruguai, pela semifinal da Copa do Mundo de 2010, na Cidade do Cabo, abordei Loco Abreu na zona mista. Abatido, como todos os jogadores da equipe, pela derrota de 3 a 2, o então atacante do Botafogo me atendeu educadamente, até que caí na besteira de perguntar: "O que faltou?" Foi então que ele me deu o que se pode chamar de uma "patada": "O gol, né?"

Esse episódio me abateu na ocasião. Primeiro, porque a "patada" veio de um ídolo meu. Segundo, porque fiquei com vergonha da minha pergunta. O jogo valia uma ida à final de Copa do Mundo, os uruguaios foram guerreiros e eu recorri a um péssimo clichê do jornalismo esportivo. Mereci a resposta de Abreu.

Faço esta introdução para dizer que não vejo razões para alguém criticar o nadador Bruno Fratus por uma resposta irônica a uma repórter do "Sportv" ao final da prova dos 50m livre, em que terminou em sexto lugar. "Sai chateado?", perguntou Karin Duarte. "Não, estou felizão, né? Fiquei em sexto. Desculpa, né, mas…tô, bastante", respondeu.

É óbvio que nós jornalistas sempre esperamos boas respostas dos atletas que entrevistamos. E também queremos ser bem tratados por eles. Mas uma resposta irônica a uma pergunta boba, como Loco Abreu fez comigo ou Fratus fez com a repórter da TV, não é nenhum crime.

Ao contrário, respostas deste tipo, meio atravessadas, mostram que os atletas são inteligentes e têm brios. O "estou felizão" de Fratus expõe a frustração com o próprio resultado – e isso é uma informação valiosa para quem o entrevistou.

O mesmo raciocínio vale para o polêmico episódio ao final de Brasil e Iraque, em que Neymar deixou o campo sem dar entrevistas e foi criticado por Galvão Bueno. O jogador, por questões que envolvem os contratos das emissoras de TV com o COI, tinha a obrigação de falar com os jornalistas. Mas, ao não parar, de certa forma, ele também "falou". A sua recusa em dar entrevistas foi uma informação relevante.

Este texto foi publicado originalmente no UOL Esporte.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.