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Livro mostra lugar único de Juca Kfouri no jornalismo esportivo brasileiro

Mauricio Stycer

30/09/2017 05h01

Maior referência do jornalismo esportivo brasileiro nos últimos 30 anos, Juca Kfouri lança nesta terça-feira (03) a sua aguardada biografia, "Confesso que Perdi" (Companhia das Letras, 248 págs., R$ 39,90). É, com perdão do clichê, leitura obrigatória para quem se interessa por jornalismo, esportes e realidade brasileira.

Como João Saldanha (1917-1990), de quem é uma espécie de herdeiro, Juca construiu uma carreira exemplar com base na ideia de que o esporte, num país como o Brasil, é uma extensão de problemas estruturais profundos e graves.

A sua prática profissional, mostra o livro, sempre se sustentou em dois eixos principais. De um lado, claro, o olhar atento e sensível ao que acontece dentro dos campos e quadras, onde os atletas protagonizam o show. E de outro, um compromisso permanente com a investigação sobre o que está por trás do espetáculo, longe dos olhos do espectador.

Muita gente argumenta que o jornalismo esportivo deveria se limitar ao esporte propriamente dito, uma vez que o leitor/espectador já estaria cansado de ler e ouvir sobre corrupção e crimes em outras áreas. Esta visão justificou, segundo Juca, a "leifertização" da programação esportiva na TV.

"Não entenda no neologismo uma ofensa ao comunicador Tiago Leifert, que assumiu o programa 'Globo Esporte' em 2009, mas apenas como rótulo de uma tendência que vinha lá de trás e virou uma epidemia", escreve.

A biografia passa em revista as muitas batalhas de Juca, desde a sua crítica à prática de merchandising por jornalistas esportivos até as investigações sobre corrupção que atingem dois ex-presidentes da CBF (Ricardo Teixeira e José Maria Marin) e o atual (Marco Polo Del Nero).

O livro é também uma oportunidade para Juca relembrar várias passagens de sua militância política. Durante a ditadura foi motorista de Joaquim Câmara Ferreira (1913-1970), o número 2 da Ação Libertadora Nacional, uma organização que pegou em armas contra o governo. Ao conseguir um emprego na editora Abril obteve de Ferreira autorização para deixar o trabalho clandestino e iniciar a carreira profissional.

Também militou no PCB enquanto o partido estava na ilegalidade. E aproveita o livro para falar de dois erros que cometeu ao se manter sob a órbita dos comunistas já no período de redemocratização. O primeiro, a longa hesitação entre Collor e Lula na eleição de 1989 (o partido acabou decidindo pelo voto no PT). E o segundo, em 1992, ao ficar em cima do muro na disputa entre Paulo Maluf e Eduardo Suplicy pela prefeitura de São Paulo.

Mas o melhor de suas memórias são mesmo as histórias que mostram como foi capaz de combinar a atividade profissional com compromissos em defesa da liberdade de expressão, da democracia e contra todo tipo de crime, imoralidade e corrupção.

Da Democracia Corintiana, nos anos 1980, à articulação para Pelé ser ministro do Esporte no governo FHC (1995), do envolvimento para a criação do Clube dos 13, em 1987, ao posicionamento crítico sobre a construção do estádio do Corinthians já nos anos 2000, a biografia relembra como Juca se entregou às mais variadas causas que considerava justas.

O livro trata, ainda, da militância sindical de Juca, dos empregos que abriu mão por conta da defesa intransigente de princípios, dos muitos cargos que ocupou nas mais variadas mídias – dirigiu as revistas "Placar" e "Playboy", atuou em muitas emissoras de TV (Globo, SBT, Cultura, CNT, ESPN), rádio (CBN) e jornais ("O Globo", "Folha", "Lance!").

Desde 2005, além de escrever na "Folha", Juca mantém um blog no UOL. "Começou assim o que descobri ser uma nova forma de escravidão, a transformação do jornalista em blogueiro", conta ele, bem-humorado, sobre a experiência de manter um dos blogs mais acessados do país.

"Confesso que Perdi", enfim, é uma leitura saborosa e instrutiva. E demonstra claramente que Juca Kfouri não perdeu mesmo. Ao contrário, o livro ajuda a demonstrar como a sua atuação vitoriosa é fundamental para o esporte e o jornalismo brasileiro.

Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.