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Pigossi troca Globo por Netflix: Galã é necessário, mas eu precisava mudar

Mauricio Stycer

10/12/2018 05h01

Elsa Pataky (em primeiro plano), Marco Pigossi (à esq.) e elenco de "Tidelands", que a Netflix lança nesta sexta

Emendando uma novela atrás da outra desde 2009, quase sempre no papel do galã, Marco Pigossi chegou ao final de 2017 determinado a parar. Disse para a Globo que não queria renovar contrato e anunciou planos de estudar interpretação em Londres. A notícia correu e logo o ator foi levado a alterar os seus planos – deixou o curso de lado e acertou com a Netflix a sua participação em duas séries.

A primeira, "Tidelands", estreia na próxima sexta-feira (14). Trata-se da primeira produção da Netflix na Austrália e, obedecendo a uma prática cada vez mais comum da empresa, conta com elenco multinacional.

Fluente em inglês, Pigossi ganhou o papel de braço direito de Adrielle (a espanhola Elsa Pataky), a líder de uma comunidade de sereias, envolvida em uma história de suspense e crimes.

Pigossi falou com o UOL há dez dias, na véspera de uma viagem aos Estados Unidos e à Austrália. Na primeira etapa, em Los Angeles, iria procurar um agente para representá-lo no exterior e apresentar à Fox a sugestão de um roteiro de longa-metragem. Na segunda etapa, iria participar da divulgação de "Tidelands".

Veja abaixo trechos da entrevista

Marco Pigossi em cena de "Tidelands". Foto: Jasin Boland/Netflix

Por que, na sua opinião, você foi selecionado para o papel de Dylan em "Tidelands"?
Uma junção de fatores. O interessante desta comunidade é que eles vêm de diferentes partes do mundo. O objetivo, então, era ter uma variação de sotaques. Tinha um ator indiano, a Elsa (Pataky) com sotaque forte espanhol. Enxergo também como uma tática para abraçar públicos de lugares diferentes. Então, você ter alguém da América Latina, alguém da Europa…você vai juntando audiências.

É uma comunidade de sereias?
A gente está falando de uma questão meio mágica. Não é a sereia que a gente está acostumado a ver no Brasil. O "sirens" deles é a sereia do Ulisses, da "Odisseia". São seres monstruosos. Porque a sereia para eles não tem a beleza, a cauda, aquela coisa mágica do nosso folclore. Não é a Ritinha (personagem de Isis Valverde em "A Força do Querer"). Lá puxa para outra mitologia.

Já assistiu?
Sim. Adoro. Foi uma das coisas mais diferentes que já fiz. Em todos os sentidos. De formato: a gente não tem série de oito capítulos aqui. É um prazer para o ator isso. Um deleite. Você tem oito capítulos na mão, você sabe o arco do seu personagem inteiro, você conhece todas as transições dramáticas dele. Você tem quatro meses para gravar oito capítulos. Você tem tempo de sentar para debater, para entender o motivo dos personagens, para conversar com os autores. Para o ator é muito prazeroso. A gente tem tempo de ensaio, de preparação. Isso tudo foi muito diferente.

Como foi se ver falando em inglês?
É uma coisa interessante. Eu falando inglês já era um personagem que eu precisava fazer ali. De alguma maneira, me ajudou no processo construtivo de quem era esse cara. Eles queriam que eu tivesse o meu sotaque. Algumas vezes aconteceu de simplesmente não entenderem o que eu falava. Assim como eu, muitas vezes, não entendia o que eles falavam em função do sotaque australiano, que é muito forte. Aí, a gente repetia, vez ou outra. Normal. Foi na boa. Faz parte. Às vezes, a gente engasga.

Um brasileiro gravando na Austrália.
É muito interessante observar a escola de atuação do ator brasileiro e a americana ou inglesa. Eles são muito diferentes no sentido corporal, físico, no sentido de embate ("combat", eles dizem lá). O Matt Damon foi um dia assistir a gravação (a mulher dele é muito amiga da Elsa, ele está morando lá…). Um cara supersimpático. E ele falou: "Uma riqueza da série é ver você trazer essa escola latina de interpretação, que é muito diferente da australiana. Teve uma cena de embate entre você e o protagonista e dá pra ver claramente que a força toda dele está aqui (na altura do peito). Ele é duro. E força do seu está aqui (na cintura). Você se mexe diferente, é mais solto… Isso traz um contraste de atuações."

Você estava cansado de fazer novelas?
Essa vontade de procurar outras coisas estava muito gritante em mim, há muito tempo. Porque, por mais que você altere de horário, a novela é o mesmo formato. Você tem ali de 40 a 60 minutos de material bruto, diários, num período de oito a dez meses. E por ser um formato muito fixo, muito padrão, os personagens acabam sendo muito padrões também, muito fixos. Por mais que você, como ator, tente ao máximo diferenciá-los. Do Bento, o florista em "Sangue Bom", ao aviador de "Boogie Oogie", ao policial Dante ("A Regra do Jogo"), o caminhoneiro Zeca ("A Força do Querer")… Por mais que eu tentasse diferenciá-los, no fundo, no fundo, todos têm a mesma função dramatúrgica. Eu já sabia o que ia acontecer antes mesmo de receber os capítulos das novelas.

Você se cansou de fazer papel de galã?
Meu primeiro personagem na Globo que fez sucesso não era um galã. Foi o "rosa chiclete (Cassio, em "Caras & Bocas", de Walcyr Carrasco, 2009-10), que era um personagem de humor, de comédia. Que era um outro caminho. Na minha cabeça, sempre busquei possibilidades diferentes. Para brincar com isso. Você entende que numa empresa enorme, que faz aquilo de forma industrial, é necessário que esse papel (galã) seja preenchido, claro. Mas, ao mesmo tempo, como artista, tinha a necessidade de mudança, de brincar com outras coisas. Pedi um ano para fazer cinema. E isso foi muito decisivo para ver que eu precisava fazer, experimentar outras coisas.

E tem uma coisa também. Você começar a tomar um pouco a rédea da sua própria carreira. O que eu quero pra mim como artista? O que me movimenta? Sair de uma estabilidade financeira já te traz uma coisa que é a do artista. Qualquer artista, em qualquer lugar do mundo, não tem carteira assinada, é um cara da vida, vai onde tem os personagens. Eu tive essa necessidade de tomar a rédea da minha carreira. O que eu quero pra mim?

Em que momento você percebeu isso?
Em 2016, consegui tirar um tempo para fazer cinema ("A Última Chance" e "O Nome da Morte", imagem ao lado). Foi um baque para mim. É como se tudo voltasse a fazer sentido. Vi que poderia fazer coisas diferentes. Aí eu falei: Eu preciso estar sempre em movimento, porque senão eu vou enlouquecer.

E a Netflix?
A brincadeira veio de eu querer estudar fora. Cheguei a me matricular, em Londres. Três módulos de três meses na Guildhall School of Music and Drama. Optei por não renovar o contrato fixo com a Globo e trabalhar por obra. Saiu no jornal que não renovei o contrato, a Netflix me ligou com essa proposta de Austrália. E ia ao encontro de tudo que eu estava querendo. Numa série você tem personagens com formatos muitos diferentes, com funções dramáticas muito diferentes. É muito legal.

E qual é o outro trabalho que você vai fazer para a Netflix?
"Cidades Invisíveis". Um thriller, sobrenatural, suspense. Vai brincar com personagens do folclore nacional. O personagem é um policial ambiental que vai conviver e ver estes personagens do folclore. São dez episódios. Vai ter o Saci, a Cuca, o Curupira, o boi da cara preta. Não temos orçamento de série americana. O projeto é do Carlos Saldanha ("Rio", "A Era do Gelo", "Touro Ferdinando"), um dos melhores tradutores do Brasil. Ele não vai lá pra fora porque lá fora é melhor. Ele vai lá pra fora pra mostrar o que o Brasil tem de melhor. Acho muito admirável.

Você pensa em seguir uma carreira no exterior?
Acho que o bacana é estar sempre em movimento, sempre se desafiando. Então, o fato de ninguém me conhecer lá é um superdesafio, que eu gostaria de encarar. O que move são personagens. Eu jamais iria me mudar pra lá… E outra: não tenho inglês nativo. Eu falo inglês bem, mas não vou competir com um ator americano. Fora que os atores americanos sabem dançar, sapatear, cantar… A gente no Brasil aprende o quê? Interpretação para a câmera. Falta muita escola, muito chão. Quando eu falo em encarar com humildade, falo de encarar todos esses desafios, correr atrás, tentar entender o mercado deles. Estar lá e estar aqui…

Você tem algum modelo quando pensa em trabalhar no exterior?
Admiro loucamente o Wagner (Moura), que é um cara que, claramente, o que move ele são personagens. Ele jamais deixaria de fazer um superpapel aqui num filme foda pra fazer uma ponta lá, ou qualquer outra coisa, só porque é lá. E é um cara movido por desafio. "Narcos" é uma loucura. É brilhante o trabalho desse cara. É inalcançável. É legal ter inspirações, mas não são modelos que eu vou seguir. Cada um constrói o seu caminho, a sua carreira. Wagner é um cara que nunca esteve preso, profissionalmente. Fez série, fez novela, faz o filme, vai lá fora, faz uma série, ele dirige.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.