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Apesar da bela produção, “Joia Rara” exagerou no melodrama e nos clichês

Nilson Xavier

04/04/2014 19h07

José de Abreu, Mel Maia e Caio Blat (Foto: Divulgação/TV Globo)

José de Abreu, Mel Maia e Caio Blat (Foto: Divulgação/TV Globo)

É sabido que todo folhetim é calcado no melodrama e no clichê, recursos fáceis para fisgar o público. O problema é a dosagem. E "Joia Rara" foi fundo.

Nem sempre uma bela embalagem revela um conteúdo à altura. E nem sempre um conteúdo promissor satisfaz no final. São sentenças que se aplicam a "Joia Rara", a novela das seis da Globo que terminou nesta sexta, 4 de abril. Uma produção de encher os olhos, lançada envolta a um ar de novidade, o folhetim foi se revelando pouco original ao longo dos meses, pegando pesado no melodrama e resvalando nos mais velhos e batidos clichês de nossas novelas.

Produção impecável, a trama recriou as décadas de 1930 e 1940 – tanto no Rio de Janeiro quanto no Nepal – de maneira belíssima, em cenários, figurinos e direção de arte. Fotografia caprichada e cinematográfica, direção segura da experiente Amora Mautner, trilha sonora bonita e ótimo elenco, em interpretações marcantes. Tecnicamente falando, "Joia Rara" era uma joia mesmo.

As primeiras notícias sobre a produção despertaram curiosidade: uma novela que tinha o Budismo como pano de fundo, em que uma menina era a reencarnação de um mestre budista. Nossa TV nunca havia ido aos Himalaias para mostrar essa cultura tão exótica aos olhos do brasileiro médio. Uma novidade e tanto! Ainda mais vindo do trio Thelma Guedes e Duca Rachid (no roteiro) e Amora Mautner (na direção), as responsáveis pelo sucesso da ótima "Cordel Encantado", em 2011. Havia, sim, uma boa expectativa.

Entretanto, com o passar do tempo, "Joia Rara" foi se revelando um mais do mesmo. Muito bem feito, muito bem produzido, claro. E amparado em um elenco de primeira e alguns personagens carismáticos. Mas a trama de reviravoltas e joguinhos de gato e rato entre mocinhos e vilões foi cansando ao longo dos meses. E, parece, foi pouco para empolgar o telespectador. A novela fecha com uma média final de 18 pontos, empatando com "Lado a Lado" (do mesmo período no ano passado), a menor já registrada para o horário das seis. "Flor do Caribe", a trama anterior, fechou com 21, e "Cordel Encantado", havia alcançado 26 pontos em 2011 (números do Ibope da Grande São Paulo).

José de Abreu e Carmo Dalla Vecchia (Foto: Divulgação/TV Globo)

José de Abreu e Carmo Dalla Vecchia (Foto: Divulgação/TV Globo)

Apesar de ficar claro que "Joia Rara" não tinha a pretensão de difundir a doutrina budista – apenas usá-la como pano de fundo -, a novela não teve como escapar das frases feitas, de autoajuda, piegas, muitas vezes declamadas. Sensação talvez intensificada por conta do maniqueísmo dos personagens: de um lado, vilões extremamente maus, e do outro, mocinhos bons demais. Também não houve outra saída para os vilões senão a regeneração – Ernest (José de Abreu) e Silvia (Nathalia Dill) – ou a loucura – Manfred (Carmo Dalla Vecchia). Somado a isso, o excesso de melodrama na trama fez tudo soar exagerado, vários tons acima. Manfred que o diga.

A novela também foi criticada por fugir de sua cronologia. Músicas fora da época retratada foram cantadas no Cabaré Pacheco Leão. O comportamento extremamente contemporâneo de alguns personagens (principalmente femininos), também não condizia com a época da trama. Ainda que o público de hoje encontrasse respaldo em algumas temáticas atuais – como os direitos trabalhistas às mulheres -, as autoras sentiram-se à vontade para usar referências modernas em nome da liberdade criativa. "É preciso voar!", diria Glória Perez.

Todavia, há de se destacar a direção e a garra do elenco, que conseguiram dar alguma dignidade aos exageros do roteiro. A novela teve excelentes sequências dramáticas envolvendo Bianca Bin, José de Abreu, Carolina Dieckmann, Nathalia Dill, Ana Cecília Costa e Carmo Della Vecchia – este último, quando não exagerava nas caretas de seu vilão Manfred.

Se o melodrama pesou e prejudicou a história de "Joia Rara", por outro lado, o humor sobressaiu-se positivamente. Foi aí que brilharam Marcelo Médici e Luana Martau (impagáveis como a dupla Joel e Cléo), Mariana Ximenes e Letícia Spiller (as rivais Aurora e Lola), Cristiane Amorim (como Zefinha) e vários outros personagens dos núcleos do Cabaré Pacheco Leão e da pensão de Dona Conceição (Cláudia Missura).

Já comentei anteriormente aqui no blog e repito: a grande sorte de "Joia Rara" foi a escalação da pequena Mel Maia para o papel da menina Pérola. Centralizar uma história de temática adulta em uma criança é um risco grande, ainda mais quando a personagem precisa propagar mensagens de amor sem parecer piegas. Pérola foi a responsável por trazer leveza ao exacerbado melodrama do roteiro. Parabéns à direção e ao elenco: tiraram leite dessa pedra.

Saiba mais sobre "Joia Rara" no site Teledramaturgia.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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