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Mauricio Stycer

Cena com Maluf mostra bem como Hebe virou uma heroína em série da Globo

Hebe (vivida por Andrea Beltrão) na série biográfica que a Globo está exibindo - Reprodução / Internet
Hebe (vivida por Andrea Beltrão) na série biográfica que a Globo está exibindo Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

07/08/2020 01h39

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Lançado em outubro de 2019, o filme "Hebe - Estrela do Brasil" se limita a mostrar Hebe Camargo (1929-2012) num breve período da carreira, na segunda metade dos anos 1980, e a retrata como uma ardorosa defensora da liberdade de expressão.

Feminista, empoderada, defensora de minorias, o longa-metragem exalta uma Hebe bem diferente da figura autocentrada, fútil e conservadora, que muitos conheceram.

Para surpresa geral, apesar da enorme campanha de marketing, a reinvenção de Hebe não empolgou. O filme dirigido por Mauricio Farias e roteiro de Carolina Kotscho foi uma decepção nas bilheterias (112 mil ingressos em quatro semanas de exibição).

Além do filme, a Globo produziu uma minissérie com 10 episódios, planejada originalmente para exibição na TV em janeiro de 2020. Em novembro do ano passado, porém, a emissora decidiu lançar o programa diretamente no Globoplay, o que ocorreu em dezembro.

Somente agora, na última semana de julho de 2020, no meio da pandemia de coronavírus, a minissérie chegou à TV. E ela é menos decepcionante que o filme, ainda que permaneça decidida a apresentar uma versão heroica, com poucas nuances, da personagem.

O segundo episódio, exibido nesta quinta-feira (06), apresenta com mais detalhes do que no filme a afinidade de Hebe com Paulo Maluf. É um bom exemplo de como há uma preocupação em limpar a imagem da apresentadora.

Em primeiro lugar, o sobrenome Maluf não é mencionado em momento algum. Um espectador menos informado que veja aquele político chamado Paulo e sua mulher Silvia jantando na noite de Natal na casa de Hebe pode não fazer ideia de quem seja.

Antes do jantar, arrumando a árvore de Natal, o filho Marcelo fala sobre Maluf, também sem mencionar o sobrenome: "Todo mundo diz que ele é bandido". Hebe responde: "É maldade, meu filho. Eu acredito nele". "Tem certeza?", pergunta o filho. "Tenho. E sabe de uma coisa: cada um vota em quem quiser. O meu voto é dele".

E fica por isso mesmo. Depois da ceia, marcada por uma piada de mau gosto contada por Hebe, a apresentadora faz um brinde ao amigo político: "Eu gostaria de fazer um brinde ao senhor, nosso futuro candidato à presidência do Brasil". O político responde: "Só se a senhora aceitar ser a minha senadora".

Hebe, então, diz, em tom heroico: "Que isso! Não, senhor. Eu conheço meus limites. Eu agradeço, mas eu posso ser mais útil para o Brasil com um microfone nas mãos".

Ao lançar o filme, Carolina Kotscho defendeu o recorte escolhido dizendo: "A doença atual é achar que todo mundo cabe numa caixinha. E a Hebe é a prova de que isso apequena o mundo. Ela fez campanha para o Maluf, sim. Mas também se emocionou ao entrevistar a (ex-presidente) Dilma Rousseff. Essas contradições a tornam humana".

Na verdade, não há contradição alguma aí. Hebe apoiou Maluf por décadas, mesmo diante de inúmeras acusações de superfaturamento em obras, corrupção e envio de recursos para paraísos fiscais. E nunca achou que precisasse justificar esta afinidade.

Empossada presidente em janeiro de 2011, Dilma deu entrevistas para Ana Maria Braga e Hebe nos primeiros meses de seu governo, em março de 2011, num esforço de mostrar uma imagem mais humanizada. Para Hebe, a conversa com a presidente foi um dos trunfos da estreia de seu programa na RedeTV!, num momento em que ela estava fragilizada e muitos questionavam se daria certo a experiência no novo canal.

Espero que tenha ficado claro que não estou aqui discutindo o talento e as qualidades de Hebe como comunicadora. Nem de longe. Era um fenômeno. Tinha estilo próprio e foi inimitável. Estou questionando este esforço tanto do filme quanto da série de transformar uma figura complexa e contraditória em algo muito diferente do que ela foi.