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ANÁLISE: "Homenagem" da Globo a Chico Anysio é tardia e hipócrita

Colunista do UOL

07/12/2015 09h00

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A Globo estreou no final do mês passado um remake da “Escolinha do Professor Raimundo", criação de Chico Anysio (1931-2012). Agora anuncia com pompa que a versão entrará no próximo mês no lugar do “Esquenta”, aos domingos.

O fato é que a emissora vem tratando o novo programa como se fosse uma “homenagem” ao legado e à história do genial Chico Anysio. Tanto que escalou Bruno Mazzeo, um dos filhos de Chico, para o papel principal: o do professor Raimundo.

Mazzeo, aliás, tem uma atuação impressionante, que realmente honra a memória do pai.

Porém, é importante lembrar que a despeito de sua genialidade e quase duas centenas de personagens, Chico Anysio passou a última década de sua vida em regime de “geladeira” na TV Globo. Seus projetos foram solenemente ignorados, seus personagens foram apagados da tela, sua história de sucesso e décadas de serviços prestados à emissora foram simplesmente esquecidos.

Vamos usar o português claro: Chico foi claramente desprezado pela Globo nos últimos anos de sua vida. Quando muito era chamado para fazer uma “ponta” em uma novela ou outra produção qualquer, como o “Zorra”. E até sendo “figurante” ele era brilhante. Mas isso não fez com que a emissora percebesse o talento que estava desperdiçando.

E Chico não só era um grande artista como se dedicava sempre em criar projetos que também se tornavam uma fonte de emprego e trabalho para centenas de outros artistas e até figurantes. Chico foi um grande empregador.

O próprio Chico desabafou sobre o quanto se sentia desprezado e ressentido com o (não) tratamento que vinha recebendo da Globo, como provam declarações feitas em 2002 em entrevista à Reuters e em um Bate-Papo no UOL em 2007.

“Não estou na geladeira. Estou no freezer”, declarou magoado cinco anos antes de morrer.

Aí ocorreu a morte do humorista, em 2012, após semanas internado em lenta agonia.

Bastou a passagem para Chico ser alçado pela emissora ao posto de “monstro sagrado”, “ídolo”, “gênio da dramaturgia” e outros epítetos grandiosos a que todos estão acostumados.

Ganhou reportagens especiais, foi relembrado em vários programas da casa e teve a carreira cantada em prosa e verso.

Poucos dias após a morte do artista, as lojas e livrarias do país começaram a ser inundadas com  DVDs da histórica “Escolinha” original, providenciados prontamente pela Globo Marcas.

Agora, quase três anos após sua morte, lançam mais um prego no caixão do artista, com o “remake” da escolinha que a própria Globo tirou do ar.

Cabe dizer que Mazzeo e o resto do elenco não têm qualquer responsabilidade nisso. Eles fazem seu papel, afinal são artistas, e na verdade o novo elenco é realmente brilhante.

Eu assisti à estreia no canal pago Viva, mas não consegui rir de nenhuma piada. Pelo contrário. Como telespectador, senti tristeza e uma sensação de vazio.

Pessoalmente, acredito que não existe nada mais hipócrita que homenagear os mortos depois que eles foram destratados em vida.

Essas homenagens tardias aos mortos, para mim sempre soam como remorso e peso na consciência de quem ainda está vivo.

A Globo deveria ter homenageado Chico Anysio quando ele ainda estava entre nós, e poderia ouvir o quanto era querido e o quanto havia sido importante na construção da própria emissora. E olhem que ele teve um peso enorme, como concreto, na história dessa construção.

Chico foi a vida toda (no ar) um rei de audiência. Um ídolo. Mas foi enterrado sem ter ouvido em alto e bom som esse reconhecimento por parte de sua casa profissional.

Nesse ponto, pode-se falar de tudo contra Fausto Silva, mas é preciso reconhecer: ele foi o único que se dignou a fazer isso com Chico ainda vivo, em 2002, numa das melhores e mais comoventes edições do quadro “Arquivo Confidencial”.

Homenagear Chico Anysio agora que ele não está mais aqui, como a Globo pretende fazer com a nova “Escolinha”, não é virtude alguma. Pelo contrário. Soa mais como um insulto a sua memória.