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Nachtergaele encarna Zé do Caixão na TV e diz que é palhaço como Mojica

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

27/10/2015 06h30

Matheus Nachtergaele volta à TV no próximo mês como um dos grandes ícones do cinema brasileiro: José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Protagonista da série que leva o nome do personagem e estreia no canal pago Space no dia 13 de novembro, o ator diz que trajetória do cineasta é “como a vida” e fala dos desafios de interpretar uma figura tão ambígua e controversa.

Para compor seu Mojica, Nachtergaele buscou inspiração não só nos filmes do cineasta e na biografia “Maldito”, de André Barcinski, como também em suas memórias. “O Mojica é uma figura que a gente conhece como conhece Carmem Miranda, como conhece Mazaroppi, como conhece enfim, algumas pessoas que você tem cravado na tua memória, quase na sua inconsciência. E acho que com o Zé do Caixão ele conseguiu atingir profundamente o imaginário coletivo. É um Hamlet violento tupiniquim. É um coveiro, galante, mas totalmente amoral, triste. Isso tudo está na minha memória muito forte”, contou o ator ao UOL durante visita ao set da série.

Matheus Nachtergaele posa caracterizado como Zé do Caixão - Divulgação - Divulgação
Matheus Nachtergaele posa caracterizado como Zé do Caixão
Imagem: Divulgação
Com seis episódios de 50 minutos, a série contará a trajetória profissional e pessoal do cineasta ao longo de seis de seus filmes: "Sina do Aventureiro" (1958), "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" (1963), "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1966), "O Despertar da Besta" (1969), "Perversão" (1978) e "24 Horas de Sexo Explícito" (1985). E isso inclui os altos e baixos da figura que Nacthergaele diz que é “como a vida”, com “momentos de glória, de sucesso, de inspiração, e momentos de fracasso, de perdição”.

“O Zé é um artista muito genuíno, então os filmes se parecem com o que ele esta vivendo”, analisou o ator. “A ingenuidade do primeiro bang-bang, um vulcão artístico que nasce nele com o Zé e os filmes de terror, depois a censura, a ditadura. Quando ele realmente fez uma obra de arte, ele foi totalmente proibido. Não foi cortado, foi proibido. E aí ele começou a fazer coisas para sobreviver, pornochanchada, enfim. Ele se entregou, de certa maneira, ao que era possível ser feito. Vendeu a preço de banana o personagem para poder sobreviver, e sobreviveu. Taí ele sendo digno de uma homenagem como essa”.

Em comum com Mojica, o artista apontou que tanto ele quanto o diretor são “palhaços” – assim como foram Charles Chaplin, Marilyn Monroe e Carmen Miranda. “Uma vez a Fernanda Torres me apresentou para o filho dela, e disse: esse aqui é o Matheus, seu tio-palhaço. Fiquei pensando sobre isso e ela tinha razão, eu sou palhaço. E isso é um elogio bonito, porque o palhaço é feito da dor, é rir da dor. Não é à toa que você às vezes ri do Zé do Caixão. A perversidade dele não é medida, é desmedida. Tem uma desmesura aí que pode ser cômica”, reflete.

É uma comédia boa, é drama também e é terror. Não só no terror do Mojica, mas o terror da vida. A vida é aterrorizante
Nachtergaele, sobre a série "Zé do Caixão"

Zé do Caixão x Joãosinho Trinta
A estreia de “Zé do Caixão” vem um ano após Nachtergaele dar vida à outra figura histórica brasileira, o carnavalesco Joãosinho Trinta. E, para o ator, foi mais confortável estar na pele de Mojica, que tinha a vida pessoal muito mais exposta: “[‘Trinta’] é um filme de homenagem muito áureo, muito apolínio, apesar de o Carnaval ser algo dionisíaco. Mas aqui me sinto mais à vontade, com o Mojica. Porque o Mojica se expôs. Nada do que eu possa fazer aqui pode ser mais revelador do que o que ele tenha feito. Não tenho pudor nenhum. Posso ser machista, ao mesmo tempo delicado; posso ser gentil, ao mesmo tempo agressivo; posso ser politizado, ao mesmo tempo ignorante; posso ser um gênio, ao mesmo tempo um imbecil”.

O que não significa que seja fácil retratar um personagem tão ambíguo. “Como ator, me exige mais, porque ele tem momentos de doçura, de vilania”, contou. “Não é errado dizer que, em alguns momentos, o Zé do Caixão, e portanto também o Mojica com artista e criador, é perverso com as mulheres, é violento, então também vivo isso aqui. E ao mesmo tempo, é um homem extremamente carinhoso. Isso todo mundo que trabalhou com Zé me falava. Ele tem esse jeito de falar errado, de falar palavrão, de ter essas unhas, mas ele na verdade é doce”.

Para Nachtergaele, a série traz uma boa reflexão em um momento no qual o cinema brasileiro produz poucos filmes “de colhão”: “Vejo agora certa repulsa à reflexão mais corajosa, mais poética. Acho que a gente está querendo rir, lavar a alma. E acho que essa série tem para todo mundo. É para rir e para pensar também. É uma comédia boa, é drama também e é terror. Não só no terror do Mojica, mas o terror da vida. A vida é aterrorizante. Se você for para a vida, o negócio é puxado. A vida é terrível”.