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Consultores de "Narcos", ex-agentes contam mudanças da história para série

João Vitor Medeiros

Colaboração para o UOL

29/10/2015 06h30

Dois dos personagens centrais da história de Pablo Escobar e da série "Narcos", os ex-agentes Javier Peña e Steve Murphy não só continuam vivos como fazem parte hoje de uma organização que dá cursos sobre combate ao crime organizado e palestras contando suas experiências na caçada ao traficante colombiano.

Interpretados por Pedro Pascal e Boyd Holbrook na produção original do Netflix, Peña e Murphy foram consultores da série e fazem questão de divulgar seu lado da história. "Nós achamos que é importante que as pessoas se lembrem da história, mas da história precisa, não o que outros tenham escrito em livros ou mostrado em séries", diz Murphy, acompanhado de Penã, em conversa com o UOL
 
E apesar de apontarem mudanças no que chamam de "história precisa", os dois se mostram bastante contentes com o resultado final da série dirigida pelo brasileiro José Padilha e protagonizada por Wagner Moura, que já tem confirmada a segunda temporada. "A diferença entre 'Narcos' e o que veio antes é que 'Narcos' é baseado em eventos reais como foram contados pelos dois caras que estavam lá o tempo todo, Javier e eu. Obviamente, tudo que eles mostram não é exatamente o que aconteceu. Você sabe, os escritores tomam algumas decisões dramáticas para tornar tudo mais atraente, tem muito entretenimento ali também. No geral, estamos muito felizes com o jeito como tudo foi retratado. Mas nós nunca fumamos na vida e parece que em cada cena os caras têm um cigarro”, diz Murphy, rindo.
 
Steve Murphy - Reprodução/www.nlesb.org - Reprodução/www.nlesb.org
Narrador de "Narcos", Steve Murphy chegou à Colômbia três dias antes da prisão de Escobar na vida real
Imagem: Reprodução/www.nlesb.org
Outra diferença da série em relação à história real é que Murphy não estava lá na primeira perseguição a Pablo Escobar e só chegou à Colômbia no meio de 1991, três dias antes de o criminoso se entregar à sua prisão particular, enquanto Penã já estava no país desde 1988. "Na época, eu sentei com o Javier e seu parceiro até ali para conversar e eu fiquei apenas escutando e aprendendo com eles o que tinham descoberto nos últimos anos", lembra Murphy. 
 
Ao aceitarem colaborar com os produtores da série, os policiais fizeram apenas um pedido: que Pablo Escobar não fosse glamourizado. “E nós não achamos que eles fizeram isso de maneira nenhuma em 'Narcos'. Achamos que o retrataram exatamente como ele era, uma personalidade carismática. Ele podia tocar o coração das pessoas, mas no momento em que você fosse sugado por essa sua persona, ele iria virar e matar pessoas sem motivo nenhum. Wagner Moura está sensacional atuando como Escobar”, elogia Murphy.
 
E Peña complementa: "Quando nós chegamos lá, ele tinha aquela aura de Robin Hood. A igreja tinha um programa que dizia que ele era um cara legal. A própria Igreja Católica, e eu sou católico, estava do seu lado. As pessoas tinham que amá-lo, porque ele dava dinheiro, construía casas, escolas. Mas, ao mesmo tempo, como você pode colocar bombas na frente de edifícios e matar centenas de pessoas? Como você pode matar crianças? Então, um cara legal ele não era. Mas ele era carismático. Tinha um culto, as pessoas adoravam ele e ninguém falava nada sobre ele, por isso demoramos a pegá-lo”.
 
Guerra às Drogas
Conhecida como Guerra às Drogas, a política agressiva e militarizada com que os Estados Unidos combateram o tráfico de drogas nas décadas de 70, 80 e 90 hoje é criticada por especialistas e estudiosos que acham que ela contribuiu de maneira essencial para o escalonamento da violência nesse tipo de ação criminosa, sem surtir muitos efeitos na diminuição do uso. Para o Steve Murphy, a abordagem foi acertada à época, mas atualmente a educação tem que ter o papel principal: “Qualquer coisa que possamos fazer para alertar as pessoas do quão devastadoras as drogas são é uma coisa boa”. 
 
O batalhão de busca não estava lá para apreender dinheiro ou drogas, estava lá para matar Escobar
Javier Peña, ex-agente do DEA, a agência antidrogas dos EUA
 
Contudo, apesar do termo e do estardalhaço midiático em relação à política antidrogas americana, ele questiona se de fato o governo estava comprometido com a ação: "E esse outro lado da Guerra às Drogas que você tem é que nós abordamos realmente como uma guerra. Nós fomos 100% comprometidos, tentando lugar contra esses traficantes, mas a verdade é que nós não tivemos um apoio ou aprovação integral do governo nessa guerra. Essa foi uma coisa que eu e Javier tivemos que combater naquela época, outras agências americanas que não concordavam com o que estávamos fazendo. Aqueles alvos eram grandes demais para a combatermos sozinhos e que não havia nada que pudéssemos fazer”. 
 
A motivação pessoal teve papel determinante no sucesso da empreitada contra Escobar, como acrescenta Javier Peña: “A abordagem lá atrás, você precisa lembrar, no caso de Escobar, foi vingança. Foi vingança por todas as pessoas inocentes que ele matou, os juízes, o avião que ele derrubou. O batalhão de busca não estava lá para apreender dinheiro ou drogas, estava lá para matar Escobar”.
 
Quando o tema é legalização, a dupla é firme em se posicionar contra. Murphy argumenta: “Olhe os outros países do mundo na história que foram bem-sucedidos com a legalização. Não há simplesmente nenhum lugar no mundo em que a legalização de drogas tenha funcionado até agora. Essa é a palavra de ordem agora, legalizar para tentar conter a violência. Na minha opinião, a legalização só tem a ver com dinheiro. É dinheiro de impostos o que estão olhando e a redução da violência é secundária em relação a esses interesses financeiros”, diz Murphy.