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Criador de "Narcos" "culpa" Wagner Moura por público ver Escobar como herói

Wagner Moura interpreta o traficante colombiano Pablo Escobar na primeira temporada da série "Narcos", do Netflix  - Divulgação/Netflix
Wagner Moura interpreta o traficante colombiano Pablo Escobar na primeira temporada da série "Narcos", do Netflix Imagem: Divulgação/Netflix

Natália Guaratto

Do UOL, em São Paulo

09/11/2015 20h25

Contratado para "Narcos" quando a série já estava há mais de um ano nas mãos do Netflix, o produtor e roteirista norte-americano Chris Brancato entrou no projeto relutante com pelo menos dois aspectos da atração: o estilo de direção de José Padilha, que segundo ele, “ia contra todas as regras de roteirização da TV americana” e a escalação de um brasileiro, Wagner Moura, para viver Pablo Escobar.

No Brasil esta semana para palestrar no TelasFórum, evento voltado para o mercado de audiovisual brasileiro, Brancato diz ter visto o público norte-americano "ficar louco por 'Narcos'". Em entrevista exclusiva ao UOL, ele também rebateu a declaração de Sebastián Marroquín, filho de Escobar, de que a série teria glamourizado os crimes de Escobar e adiantou detalhes sobre a segunda temporada da série.

Para Brancato, a culpa de as pessoas amarem o traficante colombiano é da atuação de Moura. "Acho que o filho de Pablo está confundindo o carisma e o apelo que o Wagner tem, que a propósito são parecidos com o carisma e o apelo que o próprio Pablo tinha, com heroísmo. Pablo não era herói, ele era um bom vilão”, afirma.

UOL - Após o lançamento de “Narcos”, o filho do Pablo Escobar, Sebastián Marroquín, deu algumas entrevistas reclamando de não ter sido consultado para a série. Por que vocês optaram por não ouvi-lo?

Chris Brancato - Não foi uma decisão do Netflix. Foi uma decisão nossa [roteiristas e produtores]. Escobar é uma figura pública, muitos livros sobre ele foram escritos, e nós entendemos que ouvir os parentes vivos de Pablo não era essencial para criar a série. Em algum grau, Escobar é uma pessoa que inspira muitos sentimentos nas pessoas, mas ele foi  um criminoso e um assassino, e não nos sentimos na obrigação de falar com pessoas da vida dele. Não fizemos a série para que o filho de Escobar se sentisse feliz ou triste. Fizemos a série para informar e entreter. Honestamente, não teria gostado de ter o filho do Pablo tentando me influenciar assim como não gostaria de ter o filho da embaixatriz dos Estados Unidos me dizendo o ponto de vista dos parentes dela. O que eu acho é que o filho de Pablo tem todo o direito de contar a versão dele sobre o pai, o que ele já fez, no livro "Pablo Escobar- Meu Pai". E o Netflix consultou o livro e tenho certeza que também abordou o ponto de vista dele na atração.

Sebastián também acredita que “Narcos” glamourizou a história de Escobar, tornando-o uma espécie de herói, o que pode levar as pessoas a acharem que ser traficante é legal. A série trata Escobar como herói?

Acho que o filho de Pablo está confundindo o carisma e o apelo que o Wagner tem, que a propósito são parecidos com o carisma e o apelo que o próprio Pablo tinha, com heroísmo. Pablo não era herói, ele era um bom vilão. Nós mostramos Pablo explodindo o Palácio da Justiça, derrubando um voo comercial da Avianca, ordenando assassinatos a torto e a direito. Nada disso soa muito heroico para mim. Acho que a única coisa na atração que o humaniza é que ele se importa profundamente com a família. Também temos um ator interpretando o protagonista que é extremamente cativante.  Quando as pessoas dizem: "Eu amo o Pablo", isso é culpa do Wagner. Obviamente a série fala a verdade sobre os atos hediondos do Pablo. Mas insisti para que no começo de cada episódio, o Netflix avisasse que usamos de algumas liberdades dramáticas. Eu tive que resumir alguns eventos, contar outros que nunca aconteceram, tive que colocar palavras que nunca foram ditas nas bocas das pessoas e é isso o que um dramaturgo faz: entretenimento.

“Narcos” teve uma grande repercussão no Brasil e na América Latina. Como foi a receptividade do público norte-americano?

Correndo o risco de parecer presunçoso, "Narcos" é um grande sucesso nos Estados Unidos. Os americanos ficaram loucos. Wagner é um grande astro nos EUA. Eu brinco com ele que agora ele tem que usar óculos escuros no aeroporto. A série também é um sucesso na Austrália, na Noruega e na Rússia. Não sei explicar, mas todo mundo se sente conectado à história desse homem, e isso se deve muito à atuação de Wagner, especialmente se você não tem conhecimento sobre a questão do sotaque.

Qual foi sua reação quando Padilha sugeriu o nome de um brasileiro para interpretar Escobar?

No começo, devo dizer que fiquei muito nervoso porque ele é brasileiro. Nem sabia se ele falava espanhol, mas Wagner imediatamente foi para a Universidade de Medellín e aprendeu o idioma meses antes de começarmos a filmar. Quando conheci Wagner, em um restaurante em Medellín, estávamos eu, ele, José Padilha e Eric Newman [outro criador da série] e depois de cinco minutos de conversa, eu já estava convencido. Pensei: “Ele é fantástico e ele tem tanto apelo, é tão fácil gostar dele, quando os espectadores o virem como Pablo, eles terão um grande problema em ver as coisas ruins que ele faz porque vão amá-lo”. Essa é uma ótima coisa para se fazer com os espectadores.

E como foi trabalhar com o José Padilha?

Como um gringo, foi fantástico trabalhar com cineastas brasileiros. Eu amei os filmes de José Padilha, “Tropa de Elite 1 e 2”. Quando assisti aos filmes, lembro-me de pensar que "Narcos" teria que ser muito boa, porque o cara é muito bom. E lembro de pensar comigo mesmo: "Se apresentarmos uma série de TV que tiver o sabor de ‘Tropa De Elite’, os americanos vão amar, eles vão ficar loucos”. E o que José fez foi influenciar com o jeito dele como a história deveria ser escrita e contada. Na minha opinião, a série é muito brasileira: muita narração, muitas cenas rápidas, o estilo documental. Lembro que em certo ponto, Padilha estava me dando orientações e eu pensei: "Meu Deus, isso vai contra tudo o que aprendi”. Então eu disse a mim mesmo: “Quer saber? Ele é brilhante, ele é engraçado, tire de sua mente todas as regras de roteiro que você conhece e se deixe levar". Tive que mudar o jeito que eu escreveria a favor da história, normalmente eu não colocaria material de arquivo no meio de uma atração de ficção, nós não colocamos tanta narração quando estamos fazendo TV americana. José estava menos preocupado em explicar por que os personagens fazem o que fazem e mais interessado em mostrar os personagens do jeito que são.

A segunda temporada de “Narcos” vai cobrir um espaço da história bem mais curto do que o primeiro ano. O que podemos esperar dos próximos episódios?

O ritmo, com certeza, vai ser outro, principalmente porque não estarei lá (risos) [Brancato será apenas consultor da segunda temporada, pois está produzindo outra atração, “Of Kings And Prophets”, para o canal norte-americano ABC]. Escrevi a “Bíblia” da segunda temporada e estou em contato constante com os produtores e roteiristas. Serão só oito meses [da fuga de Escobar da prisão até sua morte], mas vai ser divertido para os espectadores. Mesmo que o ritmo desacelere, o público já está tão envolvido com os personagens que a história não vai ser menos intensa. As pessoas amam ver Wagner, as pessoas amam os agentes do DEA, todo mundo vai estar muito envolvido. A única coisa que realmente posso dizer sobre a nova temporada é que Pablo muito provavelmente vai morrer.