Topo

"Paraíso" de famosos dos anos 70 a 90, Hippopotamus prepara reabertura

Felipe Pinheiro

Do UOL, em São Paulo

11/11/2015 07h58

Inaugurada em São Paulo em 1974, a boate Hippopotamus, casa noturna que viveu seu auge nos anos 70 e 90 e tinha como frequentadores celebridades brasileiras e internacionais, se prepara para reabrir as portas em 2016.

Inspirada nos clubes noturnos de metrópoles como Paris, Los Angeles, Nova York e Londres, a boate foi tão bem aceita pelo público que não demorou para se espalhar para mais duas capitais: Salvador, em 1976, e no ano seguinte no Rio de Janeiro – esta última virou febre entre atores, cantores, executivos e publicitários de renome na época, sendo também parada obrigatória para astros internacionais que visitavam o Brasil.

O que tinha, afinal, de tão especial um local como o Hippo, apelido que recebeu dos frequentadores, para ser lembrado até hoje com saudosismo pelos seus entusiastas? Mais do que uma tradicional casa noturna, a balada da vez não era só um local de divertimento e de bons drinks, mas se assemelhava a uma festa particular – na qual, quando não se conheciam, os convidados sabiam ao menos de quem se tratava cada um que estava ali.

“Nessa época, havia uma elite, que era composta de pessoas da chamada sociedade ou novos ricos. Era um momento de grande ascensão dos publicitários, das televisões que estavam engatinhando e passaram a ter um protagonismo importante. Os frequentadores faziam parte desse mundo e todos tinham nome e sobrenome. Você poderia não ser amigo, mas sabia que aquele camarada que estava começando era o publicitário Washington Olivetto, que aquele fotógrafo era o Luiz Tripolli ou que aquela menina era da família Matarazzo”, lembra o empresário Ricardo Amaral, o Rei da Noite e criador do Hippopotamus.

Vizinha da boate que ficava atrás da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, a ex-modelo e apresentadora Monique Evans ia a pé, sozinha ou acompanhada, até o local onde ela tinha certeza que encontraria amigos e conhecidos. “Se você queria encontrar com alguém, era só ir para lá. Lembro-me muito do banheiro. Era um lugar engraçado. Era grande, bonito, e onde todo mundo conversava muito e tinha aquela tia que deixava ele sempre limpo. Ou então ficava ali perto sentado para saber de todas as fofocas”, disse.

Em uma dessas noites memoráveis, Monique realizou o sonho de conhecer o músico Prince. Ela mesma conta como foi esse encontro inesperado, que até hoje a faz suspirar: “Quando ele me viu entrar, mandou me chamar porque queria me conhecer. Eu era a fã número 1 (risos). Ele me chamou para dançar e eu só não fui porque tinha namorado, o Leo Jaime. Foi o máximo saber que o meu ídolo quis me conhecer”.

Luiz Carlos Miele, morto em 14 de outubro deste ano, embalou muitas das rodas de bate-papo que rolavam noite a dentro. Referindo-se ao Hippo como um lugar “espetacular”, ele dizia ter as melhores lembranças – tanto como cliente quanto como artista. Isso porque o showman se apresentava no piano que ficava no bar da boate, no segundo andar. Em entrevista ao UOL no final de agosto, o colecionador de histórias compartilhou uma situação inusitada que viveu com Jô Soares e o ator norte-americano Lee Majors.

“Eu estava com o Jô, daí sentou na nossa mesa o Lee Majors – aquele do seriado ‘O Homem de Seis Milhões de Dólares'. Eu falei pra ele, ‘esse aqui é o nosso Jô Soares, um apresentador brasileiro e tal. Ele está no mesmo horário que você em outra emissora’. O Lee Majors pediu desculpas por estar disputando com o Jô no horário, e aí o Jô falou: ‘Eu é que peço desculpas porque eu dou 45 de ibope e você só dá 8 (risos)’”, contou.

"Hoje, a concorrência na noite é nula. As outras atividades noturnas não têm nada a ver. Está faltando glamour, algo mais exclusivo e qualidade. Está faltando magia na noite"
Empresário Ricardo Amaral, o Rei da Noite

Testemunha ocular dos famosos
A característica do Hippo de ser um ambiente restrito ajuda a explicar o sucesso com os famosos, parte da clientela principal da boate. Além da entrada dos paparazzi ser controlada, com fotógrafos de colunas sociais previamente selecionados, não existia naquele pequeno universo de glamour um assédio comparável ao dos tempos atuais – quando para fazer um flagra é suficiente estar equipado com um celular.

“As colunas sociais que cobriam os eventos eram três ou quatro. Hoje, o Instagram e o Facebook publicam três mil fotografias por minuto (risos). Vivemos num grande ‘Big Brother’, onde todos estão sendo vistos em qualquer lugar. Nesses locais como Hippopotamus, por outro lado, havia uma espécie de código de ética. Quantas vezes se encontravam lá dentro Pelé, Maitê Proença, Christiane Torloni, Marcello Mastroianni, Michael Douglas, Robert de Niro...? E nunca houve o caso de alguém pedir um autógrafo. Isso era legal porque a pessoa se sentia protegida e as celebridades, com raríssimas exceções, têm horror de serem incomodadas”, afirma Amaral.

Não menos importante do que as estrelas que abrilhantavam os eventos do Hippo era um capixaba de cabelos compridos e bom de papo, figura simpática conhecida das tantas celebridades que passaram as noites em claro naquele movimentado nicho familiar. Ronaldo Zanon garante que levava jeito para ser ator – ele chegou a fazer um curso com Gloria Pires, que na época tinha apenas 14 anos –, mas o amor pela fotografia falou mais alto. E foi na boate do Rei da Noite que ele deu os primeiros passos na nova profissão.

Zanon, que acredita ter fotografado todas as personalidades de destaque daquele tempo – da princesa Diana ao cantor Roberto Carlos –, diz que no Hippo todos os famosos sentiam-se à vontade e que não existia aversão ou incômodo em relação ao trabalho dele. Uma das razões para isso, ele especula, era a abordagem respeitosa – e que lhe garantia ter as portas abertas para fazer registros nas próprias residências dos artistas.

“Os paparazzi são aqueles que fazem fotos sem o consentimento da pessoa. É totalmente o contrário do meu modo de pensar. É tão fácil chegar e pedir uma foto. Se quiser uma foto de beijinho, é só pedir. Uma das primeiras que fiz foi da Elba Ramalho e do Maurício Mattar. Eu me aproximei deles e pedi a foto, uma das primeiras do casal. Eu não precisava esperar uma situação para fazer um flagra. Pode ser caretice minha, mas eu acho uma invasão da privacidade da pessoa”, disse ele, que afirma nunca ter tido uma foto negada.

Avessa ao assédio, Monique Evans conta por que, para ela, o clube encantava seus frequentadores. "O fã tinha que ter uma máquina fotográfica, então era muito difícil pedir uma foto. Ele não te atacava como hoje em dia. Você não consegue assistir a um show e nem nada. Lá no Hippo todo mundo era igual a todo mundo", diz, acrescentando que hoje em dia não consegue nem ir à praia no Rio em razão dos paparazzi de plantão. 

Embora tenha tenho feito parte daquele ambiente de luxo, com mulheres sempre muito bem produzidas e homens que se vestiam conforme o padrão da casa, Zanon diz que não vivia naquele mundo de glamour. “Eu começava a trabalhar às 22h e saía às 6h da manhã, de segunda a segunda. Para mim não tinha nada de glamour, só se eu fosse um deslumbrado. Uma vez fiquei esperando da meia-noite até as 4h para fazer uma foto do Robert de Niro. O restaurante já estava vazio e eu esperei todos se levantarem para pedir a foto, dele com a Liège Monteiro e o cineasta Neville de Almeida”, relatou.

“Falta magia na noite”
O novo Hippopotamus ainda não tem data certa para abrir, mas segundo seu criador a previsão é 2016. Ricardo Amaral diz que o local será o mesmo e a essência da boate será mantida, mas que não será uma casa para saudosistas.

O empresário, que se afastou da noite em um momento difícil, durante a luta da mulher, Gisella Amaral, contra um câncer, diz não saber a fórmula para o sucesso, mas aponta que para ter êxito é preciso apostar em uma boa dose de fantasia e coragem. “Vamos fazer uma leitura nova. Não vou ter referências ao antigo Hippopotamus. Terão algumas, é claro, mas não pode ser feita uma coisa igual. A concorrência hoje é nula. As outras atividades noturnas não têm nada a ver. Um ano depois da reabertura, vai aparecer uma porção [de boates semelhantes]. Está faltando na noite glamour, uma coisa mais exclusiva e qualidade. Está faltando magia!”, aponta.