Quatro anos após lei, TV paga eleva tempo e qualidade da produção nacional
As produções brasileiras vieram com força na TV paga em 2015. Entre séries e realities, os principais canais investiram em grandes lançamentos que tiveram boa repercussão entre crítica e público, como “Magnífica 70” (HBO), “O Grande Gonzalez” (Fox), e “Zé do Caixão” (Space). Quatro anos depois da lei 12.485, apelidada de Lei da TV Paga e muito criticada à época, hoje os produtores creditam a ela o bom momento que a TV brasileira vive no segmento.
“Ela é indiscutivelmente a causadora deste boom que estamos vivendo, no mercado de produção independente para a TV, na medida em que obriga os canais a cabo a exibir, em horário nobre, produções independentes ou brasileiras”, opina Gil Ribeiro, diretor presidente da Conspiração, responsável por “Magnífica”, “Bela Cozinha” (GNT) e “Amor Veríssimo” (GNT).
Pela lei, os canais definidos como “espaço qualificado” – ou seja, não voltados a programas jornalísticos, esportivos, religiosos e políticos – precisam exibir 3h30 semanais de conteúdo brasileiro em seu horário nobre. Em 2014, grande parte deles superou essa marca, como HBO (5h41), TNT (4h55), Sony (6h08) e Warner Channel (4h22) – tudo de acordo com dados da Ancine.
Parceira e sócia de Fernando Meirelles na O2, que está por trás de séries como “Filhos do Carnaval” (HBO) e “Lili, a Ex” (GNT), a produtora Andréa Barata Ribeiro acredita que estamos diante de um "momento histórico" na TV. “Esse foi um momento histórico para a produção independente brasileira. Pela primeira vez, temos uma chance real de fazer coisas para a televisão. Acho que isso só traz benefício ao mercado e ao consumidor, pois os produtores, criadores e diretores independentes passam a contribuir e arejar o mercado”.
Conexão com o público
Do lado dos canais, porém, a exibição de conteúdos nacionais não está só ligada à lei, mas também à necessidade de se conectar com o público. “Tem a ver com a lei, e tem a ver com a vontade de se aproximar com o público brasileiro”, diz Zico Góes, diretor de conteúdo da Fox. “A Fox no mundo todo é reconhecida como um lugar que tem séries e filmes, e no Brasil não podia ser diferente. Tem uma leva de projetos como 'Bruna Surfistinha', o próprio 'Gonzalez', um projeto com o Breno Silveira – vem uma leva de coisas muito interessantes que os outros canais não têm feito. Isso para nós é um desafio danado, mas um orgulho grande”.
Daniela Vieira, diretora de conteúdo do Cartoon Network, afirma que o canal – que hoje tem 15% de programas nacionais em sua grade – já vinha privilegiando o relacionamento com os espectadores brasileiros desde antes de a lei entrar em vigor. “Nos últimos cinco anos, a gente se organizou melhor para criar essa experiência Cartoon Network para o público brasileiro, não por causa das cotas, mas porque a gente queria se aproximar mais do público. Tanto que a gente não investiu só em produção nacional, a gente investiu em eventos, em todas as áreas digitais, na comunicação, chamadas e promoções do canal, marketing". O canal lançou no fim de 2014 sua primeira série original brasileira, "Irmão do Jorel".
Qualidade e mão de obra
É indiscutível o salto do número de produções para a TV pós lei da TV paga. Das produtoras consultadas para a reportagem, a O2 desenvolveu dez séries após a lei (contra cinco antes dela) e tem mais oito projetos em vista; a Mixer lançou oito programas novos; e a Conspiração estreou sete só entre 2014 e 2015. Mas esse crescimento tem sido acompanhado também por um aumento na qualidade?
“Como a gente tem muito mais projetos sendo feitos, a gente vai ter coisas de qualidade e coisas medianas, é uma escola. Acho que isso só ajudou e só melhorou a qualidade dos programas brasileiros”, avalia Eliane Ferreira, diretora de conteúdo e negócios da Mixer. Gil Ribeiro concorda: “Temos assistido a uma melhora significativa na qualidade dos programas, principalmente das séries dramatúrgicas e acredito que, provavelmente, nos próximos anos, finalmente, o Brasil terá uma indústria audiovisual independe como em outros mercados que a gente conhece”.
A falta de mão de obra qualificada em quantidade suficiente para atender o número crescente de projetos continua sendo um desafio, mas esse cenário já começa a mudar. “Passamos a poder contar com mais pessoas e profissionais interessados nos assuntos, se preparando melhor para escrever, atuar, dirigir. Começamos um curso de roteiros na O2 para profissionais. As vagas se esgotaram num piscar de olhos. É o mercado se aprimorando”, diz Andrea Barata Ribeiro.
Com certeza esse crescimento continuará. Talvez o que aconteça é o achatamento dos orçamentos
Eliane Ferreira, diretora de conteúdo da Mixer, sobre efeitos da crise nas produções nacionais
Além da abertura de mais cursos voltados à área, as próprias produtoras têm iniciativas para fomentar a formação de novos profissionais. “A gente percebe até que tem mais cursos sendo abertos, e aqui nas nossas produções a gente sempre pega parceiros do [Instituto] Criar para ensinar, temos estagiários, temos pessoas que nos procuram”, diz Eliane. “A gente está trabalhando, óbvio, com uma equipe que já é da área, que tem esse conhecimento, mas também estamos preparando pessoas para outras produções. A gente sempre trabalha com essa coisa de formar profissionais, isso é fundamental no nosso mercado”.
Tendências futuras
E mesmo com a crise econômica que o Brasil atravessa, as produções nacionais devem continuar em alta nos próximos anos, na avaliação dos produtores consultados pela reportagem. “A gente sabe que quando tem uma crise, as pessoas ficam mais em casa. E como elas ficam em casa, a gente precisa ter conteúdo de qualidade na televisão, porque as pessoas vão assistir essas séries que estão na TV, no vídeo on demand. Com certeza esse crescimento continuará. Talvez o que aconteça é o achatamento dos orçamentos”, opina Eliane.
Andréa acredita que os programas brasileiros devem ganhar cada vez mais espaço na preferência do público. “Pelo que tenho ouvido em algumas pesquisas, muitas das séries brasileiras produzidas para os canais a cabo têm dado audiência maior do que a programação anterior. Isso já é um fato e deve se concretizar cada vez mais.”
Já Gil Ribeiro aposta no fortalecimento do formato de séries. “O formato da vez são as séries dramatúrgicas. E o Brasil não tem esta tradição. Ainda está começando a ter o hábito de consumo de séries, que sempre foi apenas da telenovela. As TVs abertas começaram a fazer experiências, e a TV a cabo vive um novo momento com este boom de séries nacionais”.
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