"Era a hora de uma super-heroína", diz criadora de "Jessica Jones"
Em um passado não tão distante, personagens complexos e instigantes como Tony Soprano ("Família Soprano") e Walter White ("Breaking Bad") fizeram críticos afirmarem que a TV vivia sua nova era de ouro. Havia um porém, na visão da roteirista Melissa Rosenberg: papéis como esses eram exclusivamente feitos por homens. Demorou um pouco, mas a americana de 53 anos conseguiu emplacar uma protagonista poderosa e popular num universo predominantemente masculino com "Jessica Jones", da Netflix.
Com a experiência de quem enfrenta sexismo na indústria do entretenimento há mais de 20 anos, Melissa decidiu seu próximo projeto: uma série com uma super-heroína. "Gosto de filmes do gênero. Amo os filmes da Marvel, mas não sou aficionada em quadrinhos. Particularmente, quando 'Homem de Ferro' foi lançado, vi que era uma abordagem diferente, era um personagem questionável. Pensei: vamos deixar as mulheres fazerem isso. Todos esses filmes são dominados por homens. Achei que era hora", afirma a criadora da atração, em entrevista ao UOL durante sua passagem no Brasil para o evento RioContentMarket.
Ironicamente, alguns minutos de "Jessica Jones" mostram ao telespectador mais desavisado que não se trata de uma série de super-heróis, ao menos como a conhecíamos até então. "Amo os superpoderes como metáfora de força interna. Isso leva a narrativa para um outro nível. E é divertido!", afirma ela, que ocupa o cargo de showrunner (principal roteirista e produtora executiva) da série.
Hoje, sua equipe é formada por homens e mulheres na mesma proporção, situação bem diferente do que encontrou no mercado no início da carreira. "Quando comecei, só contratavam homens. Um dia, decidiram que precisavam de uma mulher. Eu era iniciante, então ganhava pouco. Homens brancos acham que podem escrever qualquer personagem, mas que mulheres só podem escrever sobre mulheres, negros sobre negros. Achei uma percepção ofensiva. Fico feliz de ver mulheres nesse mercado, que vão mudar esses números", torce.
Roteirista de séries como "Dexter", "The O.C." e "O Quinteto", Melissa teve a primeira oportunidade de desenvolver sua heroína há seis anos, quando o projeto ainda era ligado ao canal ABC. No entanto, sua ideia de adaptação das histórias de Brian Michael Bendis não agradou os executivos da TV aberta.
"Os quadrinhos são sombrios. Quando vendi a ideia para eles, disse que queria fazer dessa forma, e deram ok. Mas, quando eu escrevi, acharam que não era bem assim (risos)", lembra.
Nesse meio tempo idealizou "Red Widow" - um fracasso, nas palavras dela mesma -, cancelada com apenas uma temporada. A solução perfeita veio cinco anos depois, quando a Netflix e a Marvel se juntaram no projeto de quatro séries e a minissérie "Os Defensores". E o fato de lidar com uma personagem menos conhecida teve lá suas vantagens, admite a roteirista.
"Quando adaptei a saga 'Crepúsculo', a coisa boa é que eu sabia que as pessoas veriam de qualquer jeito, até para odiar. As expectativas eram altas, e eu tinha que corresponder. Mas poucas pessoas conheciam 'Jessica Jones'. O próprio 'Demolidor' tem muito material, a Marvel estava mais envolvida, havia mais limites. Para mim disseram: 'Vá e faça isso interessante'. Então, criativamente, foi menos estressante. O lado negativo era não ter um público, mas quem viu 'Demolidor' ficou interessado na nossa série", analisa.
Vítimas de abuso se identificaram
Segundo Melissa, provocar uma discussão sobre temas delicados como estupro e relacionamentos abusivos não foi intencional - ela apenas seguia a história. E a resposta, carregada de emoção, por parte do público, a surpreendeu.
"Vejo muitos comentários de mulheres que estão animadas com uma personagem que reflete quem elas são, que tem falhas, que é uma sobrevivente. No Twitter e no Facebook leio muitos depoimentos de pessoas que sofreram abuso dizendo que a série lhes dá força. Não previ isso, estupro não é uma história nova na televisão. O que mais me surpreendeu foi não receber e-mails falando sobre aborto, que é mostrado sem remorsos, falamos de uma gravidez que é fruto de um estupro. A TV aberta tem patrocinadores, você não pode fazer isso lá. Então 99% das personagens têm abortos espontâneos", conta.
Lá em 2010, o nome de Krysten Ritter já figurava entre as principais candidatas ao posto de Jessica. A roteirista já havia encontrado a atriz - que foi dirigida pelo marido de Melissa, Lev L. Spiro na divertida "Apartment 23" - umas poucas vezes e havia chamado a atenção da autora por sua capacidade de fazer drama e comédia. "Já não sei se fui eu ou algum dos produtores quem sugeriu o nome dela. Aí veio 'Breaking Bad' e vi que ela tinha esse alcance. Krysten foi a primeira a fazer o teste e ninguém chegou perto", lembra.
A própria atriz, que foge dos estereótipos das mulheres saradas dos quadrinhos, achava que não conseguiria o papel por conta de seu tipo físico. Mas, depois de aprovada, dedicou-se aos exercícios até ganhar cerca de 4kg. "Agora ela vai ter que voltar a malhar", brinca Melissa, referindo-se à já confirmada segunda temporada, sobre a qual não revela muita coisa, nem mesmo uma eventual aparição de Luke Cage (Mike Colter), que vai ganhar sua própria série esse ano ou outro eventual crossover.
A morte de Kilgrave (David Tennant), no entanto, não significa que a personagem estará totalmente recuperada nos próximos episódios. "Ela ainda está ferida. Não é só porque ela o matou que agora está curada. Agora, além do abuso, ela assassinou uma segunda pessoa. Isso muda a vida de uma pessoa", conclui.
A elogiada participação de eterno 10º Doutor de "Doctor Who", aliás, pode servir de incentivo para a escalação de novos atores, processo que ela diz ter sido complicado no primeiro ano. "Ninguém sabia quem éramos, quem era Jessica Jones. Agora ficamos populares, e as pessoas viram o trabalho extraordinário de Tennant. Vai ser mais fácil convencê-los", acredita a roteirista.
Com poder para trazer outros personagens do universo Marvel para a série ("Não os mais populares", ressalta), Melissa hesita em escolher um nome que gostaria de ver na atração. "Nossa série é muito pé no chão, não vejo nenhum personagem hiper-realista. Talvez a Capitã Marvel (Carol Danvers, amiga de Jessica nas HQs), que vai ter seu próprio filme. Mas foi legal poder ter criado a Trish Walker (Rachael Taylor). Acho até que ela se encaixou melhor na nossa história", opina.
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