Mulher ainda não ocupa lugar merecido no audiovisual, dizem criadoras
Durante a pesquisa para escrever "Os Dez Mandamentos", Vivian de Oliveira ouviu de um historiador a espantosa observação de que, naquela época, "uma mulher valia menos que uma vaca ou uma ovelha". Inconformada com a possibilidade de só mostrar mulheres submissas numa trama bíblica, decidiu valorizar o que elas tinham de mais forte, como nas relações familiares.
"Elas não eram contadas no censo, a descendência só contava a partir do homem. Mulher não podia nem discordar em público do marido. Mas eu não me conformava e fui pesquisando mais, fiz questão de mostrar uma mulher muito forte, mesmo naquela época. Nos bastidores ela exercia uma grande influência", contou a autora, que participou de um debate sobre representatividade feminina no audiovisual brasileiro no RioContentMarket, na manhã desta quarta-feira (9).
A escritora deu o exemplo de Joquebede (Samara Felippo/Denise Del Vecchio), que considera uma mulher de fibra. "Todas as mulheres se conformaram com o decreto do rei (de mandar matar os primogênitos), mas ela se arriscou. Era muito mais difícil sobreviver. O homem podia rejeitar a mulher se ela não soubesse cozinhar, se não pudesse engravidar", afirmou.
No que diz respeito a igualdade no mercado de trabalho, a cineasta Anna Muylaert contou que só percebeu de verdade preconceito dos colegas com a repercussão de "Que Horas Ela Volta?".
"Quando você faz curta, documentário, todo mundo acha: 'Que bonitinho'. Mas quando cheguei a esse nível de sucesso, em termos de dinheiro, orçamento, a que nunca tinha chegado senti um sexismo muito maior do que no início da minha carreira. A partir de um certo nível de poder, mulher não existe. Os caras não têm vergonha de fechar a porta na sua cara", contou Muylaert.
Ao apresentar o longa no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, ela ouviu da diretora de programação que filmes sobre sexismo era uma tendência. Mas a roteirista e diretora só percebeu o quanto a própria obra tratava do assunto ao ser frequentemente convidada para debates.
"Nunca tinha parado para pensar que era sobre empoderamento feminino, a equipe em sua maioria era de mulheres, aquilo era natural para a gente. Está na hora de a mulher ocupar o lugar que merece. A gente precisa um pouco menos de humildade, e os homens, um pouco menos de arrogância", declarou ela, na participação mais aplaudida do painel.
Coautora de "Totalmente Demais" e diretora de longas como "Desenrola" e "Como Ser Solteiro", Rosane Svartman afirmou que no seu trabalho valoriza o equilíbrio do ponto de vista feminino e masculino. "Escrevo a novela com o Paulo Halm, que tem outra visão de mundo. Acho que enriquece escrever e dirigir com outras pessoas. No 'Desenrola', que escrevi com a Juliana Lins, chamamos três rapazes para ajudar no roteiro", lembrou.
Já a cineasta Petra Costa revelou que um dos comentários que ouviu sobre o documentário "Elena", dedicado à sua irmã, foi justamente sobre a falta de homens no filme.
"Perguntaram: 'Mas por que você não mostra os namorados dela?'. Engraçado, ninguém pergunta onde estão as mulheres de 'O Poderoso Chefão'. Na adolescência eu estudava teatro e nem vislumbrava ser diretora, porque não achava que era possível. Mas não me identificava com as personagens femininas dos filmes que eu gostava", contou.
A resposta ao recente "O Olmo e a Gaivota", foi ainda mais violenta. "Fizemos um vídeo falando da questão do corpo, do aborto, e fui atacada pelas igrejas católica e evangélica. No Instagram, pediram para atacar a mim e aos atores. Como a gente pode viver essa inversão? As religiões judaico-cristãs são as mais machistas. As mulheres eram figuras fortes no Egito, na literatura grega, na teologia indiana. Vamos voltar a essas narrativas", disse.
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