Escrita por três gerações, "Velho Chico" mistura romance e fundo político
Foi na década de 70, ainda nos tempos de repórter, que o Rio São Francisco passou na vida de Benedito Ruy Barbosa pela primeira vez. O projeto de transformá-lo em protagonista de “Velho Chico”, novela das nove que estreia nesta segunda-feira (14), existe há pelo menos dez anos, mas foi pelas mãos da filha Edmara Barbosa e do neto Bruno Luperi que a ideia virou realidade. A história de amor impossível entre famílias rivais no sertão nordestino atravessa gerações e mostra como a paisagem mudou ao longo dos anos.
“Estão matando o rio. Se você pegar uma gaiola (embarcação) da Serra da Canastra (MG) até a foz, não consegue andar 4km, ela fica presa. A foz tinha 45 metros de profundidade, hoje você passa a cavalo e não molha os pés. Os peixes do mar entram no rio e morrem”, diz o veterano, que pediu para que a trama, inicialmente aprovada pela emissora para a faixa das 18h, ganhasse o horário nobre. “O pano de fundo, o lado político, é muito sério. Só podia ser nesse horário”, explica.
A paixão com que o novelista de 84 anos fala do tema é bem semelhante à de Edmara, 55, que já visitou o rio cinco vezes, e Bruno, 27, que diz ter um compromisso com a população ribeirinha.
“Esperança é palavra que define ‘Velho Chico’”, diz a autora, que nega sentir pressão por resgatar a audiência das 21h. “Não quero nem pensar nisso. Tenho uma história, e a emissora não interferiu em nada. Essa sinopse estava desde 2012 na Globo esperando a hora dela”, conta.
A trama começa no fim dos anos 60, na fictícia Grotas de São Francisco, e chega aos dias atuais. A disputa entre o poderoso coronel Jacinto Sá Ribeiro (Tarcísio Meira) e o capitão Ernesto Rosa (Rodrigo Lombardi) pela fazenda Piatã dá início a uma rivalidade sem fim entre as duas famílias. O conflito maior é a paixão de Maria Tereza (Isabella Aguiar/Julia Dalavia/Camila Pitanga) e Santo (Rogerinho Costa/Renato Góes/Domingos Montagner), que será mostrada desde a juventude, contemplada nos 24 primeiros capítulos da primeira fase.
“Quisemos mostrar quem é o coronel Afrânio (Rodrigo Santoro/Antonio Fagundes), quem é esse pai que separa essa história de amor tão linda”, diz Edmara.
Segundo Benedito, o embate é baseado em histórias reais da região. “Claro que os nomes são fictícios, mas aquele amor aconteceu daquele jeito. Lá é assim: deflorou minha filha, vai lá e traz a orelha dele. Esse é o Brasil que vocês não conhecem”, anuncia.
Dramaturgia no DNA
Criada pelo veterano, a história tem supervisão dele, mas “quem carrega pedra” são Edmara e Bruno, responsáveis por escrever os capítulos, com auxílio do colaborador Luis Alberto de Abreu.
“Eu corrijo coisas, digo para alterar aqui, valorizar aqui. Mas todos decidem o rumo da história. Não tem erro, está tudo tão amarrado que qualquer um deles te conta como termina”, garante Benedito, que fala com orgulho do neto seguir seus passos. “A dramaturgia dele, de certa forma, bate com o que eu fazia. Fico feliz porque ensinei, tenho um aluno, entende? Estou achando que ele vai ser eu no futuro, ele é muito criativo”, elogia.
Bruno, que abandonou seis anos em uma agência de publicidade para se dedicar à nova função, diz que não sente o peso da responsabilidade por ser neto de quem é nem pela exigência de uma novela do horário nobre. Ao contrário.
“Mais do que o autor, trago o contador de histórias, o ‘vô’, uma coisa mais íntima. Estou tendo a oportunidade de trabalhar com dois ídolos, ele e o (diretor) Luiz Fernando Carvalho. Não tem pressão. Numa empresa, cada pessoa é responsável pelo seu departamento. O meu é a emoção, é botar letrinhas no papel. Se eu ficar pensando muito na opinião pública, deixo de pensar na novela”, garante.
Antes de "Velho Chico", o jovem já havia feito alguns cursos e escrito alguns roteiros de longa-metragem ainda não concretizados com a mãe. Decidiu, então, que era mesmo definitivo. “Estava tentando encontrar meu caminho, depois descobri que meu avô também foi publicitário (risos). Foi um dilema muito grande, tinha uma carreira sólida, mas estava me fazendo mal. Está no meu DNA emocionar, contar histórias”, afirma.
Edmara, que já assinou remakes de obras do pai como “Cabocla”, “Sinhá Moça” e “Paraíso”, ao lado da irmã Edilene Barbosa, deu total apoio ao filho. Hoje, a autora, que tem orgulho quando dizem que seu texto se parece com o de Benedito, lembra que sua entrada na dramaturgia foi meio por acaso.
“Eu escrevia poesia, gostava de fazer letra de música. Na época de “Os Imigrantes” (1981), o Carlos Queiroz Telles (diretor da TV Cultura) queria que ele fizesse uma adaptação de uma peça dele. Ele disse: ‘Minha filha escreve, ela faz’. Eu queria ser jornalista, fazia revisão, mas a grana era muito boa. E como queria viajar pra Machu Picchu, aceitei (risos). E não fui porque ele não deixou!”, lembra ela, que em seguida escreveu “O Tronco do Ipê”.
Tanto filha quanto neto não demonstram interesse em abandonar tão cedo esse universo rural que o patriarca marcou em novelas importantes como “Renascer” e “O Rei do Gado”, na década de 90.
“A terrra mexe comigo. Eu me meti lá no Velho Chico, e o rio entrou em mim. Isso é o Brasil. O homem faz parte daquilo, não do cimento ou do concreto. Eu me sinto bem no meio do mato, na cachoeira. Gosto desse falar arrastado, dessa musicalidade. Como não falar de um país desse?”, defende Edmara.
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