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"Aqui Agora" era "seleção brasileira" de repórteres, relembra Gil Gomes

Paulo Pacheco

Do UOL, em São Paulo

20/05/2016 07h00

Há 25 anos, o SBT mudou a cara do telejornalismo brasileiro com "Aqui Agora". Pioneiro na "câmera nervosa" no jornalismo diário, revelou profissionais como César Tralli e Celso Russomanno, investiu no drama, explodiu em audiência e incomodou a Globo.

"Aqui Agora" estreou no SBT em 20 de maio de 1991, às 18h30. Nasceu inspirado no argentino "Nuevediario", que chamou a atenção de Silvio Santos, interessado em um telejornal com apelo popular, diferentemente do "TJ Brasil", mais analítico e com Boris Casoy. A agilidade, as manchetes na tela e até a famosa trilha de abertura, extraída do filme "Star Wars", foram importadas do programa do país vizinho.

Para o jornal, o SBT escalou jornalistas da casa e contratou profissionais de rádio para contar histórias longas sem cortes, característica marcante do telejornal. O principal nome do programa veio justamente do rádio. Gil Gomes, com sua fala firme e o gesto com a mão, virou celebridade e a imitação favorita dos humoristas.

Uma das imagens mais marcantes do telejornal era o gesto repetido por Gil Gomes, uma espécie de "assinatura" de suas matérias - Folhapress - Folhapress
Gil Gomes, repórter do "Aqui Agora"
Imagem: Folhapress
Recluso em sua casa, na zona sul de São Paulo, Gil Gomes tenta se recuperar do mal de Parkinson. Sua aparição mais recente na TV foi em março de 2014, em uma entrevista para o "Domingo Show", da Record. Ao UOL, por telefone, o radialista de 75 anos assegura que mora sozinho por opção e relembra com saudade os tempos de ouro do "Aqui Agora".

"Eu contava histórias, passava do meu coração para o videoteipe. Ser natural deu certo. O 'Aqui Agora' era uma seleção de repórteres. Gérson de Souza, Roberto Cabrini, João Leite Neto, Wagner Montes, Carlos Cavalcante, Celso Russomanno, Magdalena Bonfiglioli. Era a seleção brasileira não só de repórteres, mas de câmeras e editores". E em qual posição Gil Gomes jogaria nesta "seleção"? "Centroavante", brinca.

"Aqui Agora" fez Globo mexer em jornal e novela

O jornal "vibrante, com a cara do povo" (slogan do "Aqui Agora") explodiu rapidamente. No primeiro mês, triplicou a audiência do SBT no fim de tarde e impulsionou a programação noturna da emissora, que tinha Boris Casoy e o fenômeno mexicano "Carrossel". Alcançou impressionantes 33 pontos no Ibope com a queda do helicóptero com o deputado federal Ulysses Guimarães, em outubro de 1992.

"Foi um divisor no jornalismo. A câmera pela primeira vez tinha o olhar do ser humano, Goulart de Andrade fez antes em reportagens especiais. Reunimos um time de contadores de histórias como Gil Gomes", avalia Ivo Morganti, apresentador do "Aqui Agora" durante cinco anos.

Incomodada, a Globo reagiu. O "Jornal Nacional" ficou mais longo e aumentou a cobertura policial, carro-chefe do "Aqui Agora". O formato foi parar até na novela "A Viagem" (1994), que começou com uma "câmera nervosa" típica do SBT.

"Foi uma inovação. As estrelas eram os repórteres, os apresentadores não opinavam. O forte era a polícia, mas tinha de tudo", pondera Christina Rocha, apresentadora do "Aqui Agora" entre 1991 e 1996. Passaram pela bancada Patrícia Godoy, Sérgio Ewerton, Liliane Ventura, Eliakim Araújo e Leila Cordeiro, entre outros jornalistas.

Sensacionalismo e suicídio: o começo do fim

Além das histórias, o "Aqui Agora" ironizava o telejornalismo tradicional com o pugilista Maguila comentando economia e o humorista Felisberto Duarte na previsão do tempo. Até Alexandre Frota foi repórter. Com o sucesso, vieram as críticas. Pelo excesso de drama, o "Aqui Agora" foi chamado de sensacionalista.

Chamada de "repórter chorona" por sempre se emocionar em suas matérias, Magdalena Bonfiglioli especializou-se em cobrir reencontro de parentes e abandono de bebês, entre outras histórias. Para a jornalista, hoje no "Programa do Ratinho", é injusto tachar o programa de sensacionalista: "A maior injustiça foi dizer que era um jornal sanguinário, porque nunca mostramos um cadáver".

5.jul.1993 - "Aqui Agora" mostra ao vivo suicídio de Daniele Alves Lopes, de 16 anos - Reprodução/SBT - Reprodução/SBT
5.jul.1993 - "Aqui Agora" mostra ao vivo suicídio de Daniele Alves Lopes, de 16 anos
Imagem: Reprodução/SBT
Apesar do cuidado, um suicídio manchou o "Aqui Agora". Em 5 de julho de 1993, o programa exibiu ao vivo uma adolescente de 16 anos se jogando do 6º andar de um prédio em São Paulo. A audiência subiu, porém o programa foi criticado e o SBT, processado e condenado a pagar uma multa milionária à família da jovem.

"Perdemos a mão muitas vezes. É uma linha muito tênue, é mais fácil fazer o 'Jornal Nacional'. Fui contra, mas colocaram um suicídio. É a execração do ser humano. Não era a revista diária que eu gostava de fazer na TV. No final do programa eu não tinha mais tesão de apresentar", confessa Morganti.

"Não mostrou o corpo estatelado no chão, cortou-se antes, mas mostrou que a pessoa pulou. O desfecho ninguém mostrou", relembra Magdalena. "Não estava, graças a Deus. Estava viajando nos Estados Unidos, até lembro que comentei na época que ainda bem que estava de férias porque tinha horror a esse negócio". recorda Christina Rocha.

Após a cena chocante, o "Aqui Agora" durou até 1997, com várias reformulações. Em 2008, foi ressuscitado por Silvio Santos, porém ficou somente um mês no ar e saiu por baixa audiência. Em 2013, o SBT quase relançou o "Aqui Agora", mas desistiu e lançou um novo telejornal, que também durou pouco.

Filhotes do "Aqui Agora"

O "Aqui Agora" lançou César Tralli, atual apresentador do "SPTV", da Globo, e Celso Russomanno, que trocou o mundo dos famosos pela defesa do consumidor. O formato inspira a concorrência até hoje. "Hoje, o Bonner levanta para falar com a Maju. Rodrigo Bocardi, com todo o gesso da Globo, faz um programa que remete ao 'Aqui Agora'. Todo dia tem um repórter no ônibus, no trem", compara Morganti.

"Os telejornais tiveram que popularizar sua linguagem porque perderam espaço, ninguém queria ver mais o 'SPTV' quadradinho. Quem estabeleceu esses novos padrões dentro do jornalismo foi o Amauri Soares, nosso editor-chefe e hoje casado com a Patrícia Poeta. Quando foi para a Globo, ele levou aquele jeitão do 'Aqui Agora'", afirma Magdalena Bonfiglioli, citando o diretor de programação da Globo.

Com o fim do "Aqui Agora", programas semelhantes ganharam espaço e ficaram conhecidos como "filhotes" do telejornal do SBT. "Cidade Alerta", da Record, e "Brasil Urgente", da Band, são os exemplos mais lembrados, mas Christina Rocha e Ivo Morganti veem diferenças.

"Não dávamos opinião como Datena e Rezende. Tinha velocidade, pique, era dinâmico. Esses programas como 'Brasil Urgente' dão certo até hoje. Acho tudo válido na televisão e tem gosto para tudo. Antes de falarmos mal, temos que valorizar os profissionais", opina a apresentadora do "Casos de Família".

"Não tem nada a ver com Marcelo Rezende, José Luiz Datena. O 'Aqui Agora' tinha contadores de histórias, mas não era estritamente policial. Acho Marcelo Rezende um grande apresentador de televisão, mas essa coisa de ser o dono da verdade não tinha no 'Aqui Agora", argumenta Morganti.