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Série "American Crime" discute cultura do estupro e homofobia na escola

Timothy Hutton e Felicity Huffman em cena da segunda temporada de "American Crime" - Ryan Green/ABC/Divulgação - Ryan Green/ABC/Divulgação
Timothy Hutton e Felicity Huffman em cena da segunda temporada de "American Crime"
Imagem: Ryan Green/ABC/Divulgação

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Los Angeles

14/06/2016 07h00

"As pessoas dizem que este é o novo 'normal', mas é este o normal que queremos para nós?", questiona o personagem de Timothy Hutton na premiada série “American Crime”, cuja segunda temporada estreia no Brasil pelo canal pago AXN no dia 3 de agosto — não confundir com “American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson”, da Fox.

Hutton interpreta o papel do técnico do time de basquete de uma escola particular de ensino médio onde um de seus jogadores foi assassinado por um ex-estudante homossexual, que, por sua vez, teria sido estuprado e, posteriormente, agredido fisicamente pelos integrantes da equipe apenas por ser gay.

Por “o novo normal” entenda-se os constantes tiroteios ocorridos em escolas e universidades americanas. No último dia 1º de junho, por exemplo, caso semelhante ocorreu na UCLA, a mais conhecida universidade de Los Angeles, onde um aluno matou um professor e, em seguida, tirou sua própria vida dentro do prédio 4 do curso de engenharia. O motivo, ainda sob investigação, é torpe: aponta para uma vingança do aluno que teria tido um código de seu computador roubado pelo professor.

Mas este é apenas um dos pontos de contato da ficção com a realidade nesta série escrita e produzida por John Ridley, vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado por “Doze Anos de Escravidão”. 

Taylor, o atirador da série, interpretado por Connor Jessup, chega ao extremo de matar o colega primeiro ser vítima de homofobia. Segundo, por se sentir injustiçado em um caso um bastante semelhante ao que aconteceu no Brasil nas últimas semanas, quando uma adolescente foi drogada, violentada por 30 homens e teve as imagens do estupro divulgadas na internet.

As cenas iniciais da segunda temporada são as mesmas. O vídeo em que o adolescente, em uma festa do time de basquete, aparece drogado e nu começa circular pela escola. Após uma conversa com a mãe (Lili Taylor), o garoto decide contar que fora drogado e violentado. 

Quando ambos decidem denunciar o crime à polícia, a coisa se complica. Primeiramente a direção da escola tenta evitar o escândalo manipulando os envolvidos e pondo em dúvida a veracidade dos fatos.

Em seguida são encontradas correspondências entre o aluno violentado e o suposto estuprador, que por pressão social, mantinha-se enrustido até aquele momento. Nos e-mails, conversas de cunho sexual apontam para um suposto consentimento do jovem que alega ter sido estuprado. “Mas eu disse não!”, declara ele à polícia que, mesmo assim, insiste que o que houve teria sido consensual. 

Por ser bolsista, Tyler e sua mãe, que cria o filho sozinha e trabalha em um restaurante, passam a ser vistos como oportunistas que querem obter vantagens financeiras dos agressores. E, assim como constantemente ocorre no Brasil, os pais dos agressores usam seu poder aquisitivo para corromper e manipular provas contra seus filhos.

Terceiro: Eric (Joey Pollari), o aluno acusado pelo estupro, tenta o suicídio após passar do papel de jogador promissor ao de gay estuprador. “As pessoas ouvem a palavra estupro e depois não ouvem mais nada”, diz ele ao negar as acusações. Adepto de práticas sexuais mais extremas, ele insiste que o que houve foi totalmente consensual.

A brutalidade aparentemente corriqueira das relações sociais dentro do ambiente escolar (e também fora dele) se aprofunda quando os produtores inserem depoimentos de professores que sobreviveram ao massacre da escola Columbine — que em 1999 virou notícia após dois alunos entrarem armados em suas dependências e matarem 12 alunos e um professor.

Mães de homossexuais que se suicidaram por não suportar o bullying e transgêneros que sobreviveram a essa cultura do massacre ao diferente na educação americana também dão depoimentos reais.

“Quando pensamos no incidente que leva aos fatos subsequentes queríamos discutir o conceito de agressão sexual, independente de gênero. Não acho que tenha visto algum programa que discuta o processo de vitimização e de justiçamento como nós estamos fazendo. Fala-se muito que é um tipo de crime pouco reportado, mas quando entrevistamos pessoas envolvidas nestes processos, vimos que, na TV, em geral, as mulheres são retratadas apenas como vítimas, mas nunca analisamos outras perspectivas. E isso pode acontecer com qualquer um, por isso espero que quem veja a série possa lidar com esse tipo de situação mais apropriadamente”, analisa Ridley.

Para Hutton, esta temporada mostra como “os adultos nem sempre levam a sério as preocupações dos mais jovens”. Mas o que esta série mostra de mais importante é como todos, sem exceção, estão sujeitos a erros irreparáveis que são balizados pela falta de diálogo, pelo preconceito e pela forma como os pais e as escolas deseducam os jovens, mesmo quando acreditam estar fazendo a coisa certa.