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Libertador e emocionante: trans da vida real comentam virada de Ivana

Ivana (Carol Duarte), em "A Força do Querer" - Reprodução/TV Globo
Ivana (Carol Duarte), em "A Força do Querer" Imagem: Reprodução/TV Globo

Felipe Abílio, Felipe Pinheiro, Gisele Alquas e Giselle de Almeida

Do UOL, em São Paulo e Rio

30/08/2017 10h38

Em um dos momentos mais dramáticos de "A Força do Querer", exibido na terça-feira (29), Ivana (Carol Duarte) se assumiu como homem trans para a família.

O capítulo ficou centrado na história da personagem, que diante da mãe, do pai e do irmão chocou a todos com a revelação: "Vocês não tiveram uma filha. Eu nasci um menino".

A dificuldade da família em compreender Ivana, a revolta dela com a situação e o grito de liberdade (ao cortar os cabelos) fizeram parte de uma sequência que comoveu o público.

Homens e mulheres transgêneros assistiram à cena a pedido do UOL e enviaram seus depoimentos sobre a virada da personagem, que a partir de agora passa a ser Ivan. Veja:

Thammy Miranda, 34, ator

Thammy Miranda - Yuri Catelli/UOL - Yuri Catelli/UOL
Imagem: Yuri Catelli/UOL
Ivana se libertou. Não foi exagero a cena. Mas também tem que entender o lado dos pais, não é fácil pra eles.

Eu passei por esse momento, mas não tive um papo assim, foi tranquilo. Fui descobrir o que era ser trans comigo mesmo. E cortar o cabelo é libertador, é a melhor sensação do mundo. A Carol Duarte foi fo**, ela é muito boa.

E não adianta ninguém falar nada, é sensacional descobrir o que você é. Tomar agulhada também é a melhor sensação, claro que com responsabilidade, com acompanhamento médico. Nascemos no corpo errado e temos oportunidade de se adequar. Deus aprova a gente para ser feliz.

Maria Clara Spinelli, 42, atriz

Maria Clara Spinelli - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram
Estou muito emocionada. A Carol Duarte é essa grande atriz e a Gloria Perez é essa maravilhosa autora que está escrevendo esse texto com tanta dignidade para essa população que foi tão sufocada e tão calada durante uma história da sociedade até aqui, da qual eu faço parte.

Uma frase da Ivana resume muita coisa: "Eu já nasci mutilada e agora eu vou corrigir o que pode ser corrigido". Estou muito feliz por estar vendo isso, por estar vivendo isso e por estar participando disso.

Obrigada, Gloria Perez, Carol Duarte e Rede Globo.

 

Gabriel Vitchenzo, 25, artista

Gabriel Vitchenzo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Fiquei bastante emocionado. Nesses momentos você quer apenas colocar para fora tudo aquilo que está guardado, então você explode por mil motivos. É um contexto de opressão desde a infância e foi o que aconteceu com Ivan. 

Ele não aguentou porque passou anos em silêncio e quando se encontrou teve necessidade de colocar para fora o misto de alegria e tristeza porque não é uma realidade fácil, mas uma jornada de uma coragem linda. 
 
Tudo que passou na cena eu vivi. A diferença foi a reação da minha mãe que não me julgou, apenas me viu naquela situação e me abraçou, dizendo que iria me ajudar a ser feliz pois era o desejo dela.
 
A cena de hoje foi um grande marco para mim. Revivi muitas coisas e estou apaixonado pela atriz com a entrega linda para esse personagem real. Grato a Gloria Perez por colocar na TV um assunto tão necessário!
 

Cristian Lima, 39, DJ

Cristian Lima - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Me identifiquei muito com a cena de Ivana. Eu não gostava de me olhar no espelho, pois eu não me achava nele. Era humilhante. A novela mostrou a realidade do que os homens trans passam. Nota dez a cena de hoje. Estou muito emocionado.                   
 
O que me chamou atenção na cena foi o impacto. Ela entrou falando direto que não era uma mulher e sim um trans. No meu caso, não precisei falar dessa forma, apenas comuniquei a minha avó e minha tia (que me criaram e moro com elas) que eu estava fazendo um tratamento hormonal para mudar minha aparência por não me sentir mulher. 
 
A reação foi o silêncio por alguns segundos. Em seguida minha avó falou: 'Meu Deus! Que coisa feia. Como é isso?'. Acabei explicando, por mais que ela não entendesse. Ela imaginou o Thammy [filho de Gretchen] e eu falei que eu ia ficar como ele. O resto da família eu comuniquei no aniversário de 91 anos da minha avó, já que estavam todos reunidos. Teve uma parte que rejeitou e outra aceitou. Perguntaram se eu ia ter que colocar um órgão genital masculino e eu disse que não é bem isso que é ser um homem trans.
 

Mário Rangel, 19, estudante

Mário Rangel - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Eu entendo que o Ivan esteja muito empolgado porque ele se descobriu e a novela toda ele ficava angustiado por não entender o que ele é de verdade. Para os pais isso também é difícil. Até há pouco tempo ele não sabia o que é ser trans, não sabia nada sobre transexualidade... Imagina para os pais. 
 
Eles não entenderam nada praticamente, não sabem sobre transexualidade. Precisa haver paciência dos dois lados. Acho que ele estava muito nervoso e não soube explicar direito, mas a Carol Duarte é uma ótima atriz e ela consegue passar o desespero, a angústia. 
 
Eu já tive mais calma, me assumi com 14 anos e aos poucos fui explicando um pouco sobre transexualidade. Foi um processo mais demorado e tive que ter bastante paciência também com a minha família.
 

Viviany Beleboni, trans que ficou conhecida por ter encenado crucificação na Parada Gay

Viviany Beleboni - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
A cena é necessária para o entendimento de uma sociedade atrasada e carente de educação. Infelizmente, a maioria não é bem aceita por não ser falado desse assunto dando o entendimento as pessoas. Sem informação acaba aumentando o preconceito.

A partir do momento em que cenas como essas são colocadas em horário nobre, as pessoas tendem ao menos a tentar entender e independentemente de aceitar ou não temos que respeitar.

Para mim foi mais que emocionante, foi épico e necessário.


 

Leona Jhovs, 30, atriz

Leona Jhovs - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
O momento de se fazer verdade para um corpo trans ao mundo é, sem dúvidas, o momento mais esperado, mas também o mais cruel. Vivemos com nossos medos e anseios, verdades e inverdades, angústias e traumas nossa vida inteira pois criamos que dependemos da aceitação de tudo e todos que nos permeiam, inclusive a nossa mesma. 
 
O que a novela "A Força do Querer" retratou, na minha visão de uma pessoa trans que vive em uma família que me deu respeito, afeto, tolerância e condições diversas para me construir um indivíduo com dignidade, foi bastante forte e chocante. 
 
Já ouvi relatos desse momento por diversas pessoas que em sua quase totalidade sofreram o mesmo ou até pior que o Ivan, mas não ainda tinha visualizado e, mesmo que por encenação, esse retrato me chocou e emocionou muito. Fica muito claro a ignorância, a vaidade e o egoísmo que famílias inteiras reproduzem nesse momento tão crucial para nós.
 
Infelizmente essa é a realidade da maior parte dos casos de pessoas trans nesse país. Somos ainda na nossa maioria, seres exclusos, abomináveis, seres não compreendidos. E nessa história onde a arte imita a vida, o retrato da não aceitação condiz e muito com a realidade, infelizmente.