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"Comprei apê com abertura do 'Fantasia'", diz roqueiro do Velhas Virgens

Compadre Washington e Luiza Ambiel na "Banheira do Gugu" - Reprodução/SBT - Reprodução/SBT
Compadre Washington e Luiza Ambiel na "Banheira do Gugu"
Imagem: Reprodução/SBT

Paulo Pacheco

Do UOL, em São Paulo

18/12/2017 04h00

"Calor, céu azul, verde mar, vem comigo nesse dia lindo!". O tema de abertura do programa "Fantasia", que neste mês completa 20 anos de sua estreia, marcou a geração que assistia ao SBT na década de 90. O axé é ainda mais especial para o roqueiro Paulão de Carvalho. Parece estranho, mas o líder da banda Velhas Virgens é o compositor da música animada, que o salvou das dívidas e rendeu dinheiro para ele comprar uma casa própria.

"Eu estava lascado, sem grana para pagar aluguel. Com o dinheiro do direito autoral, dei entrada no primeiro apartamento. Nos três meses iniciais, a música era muito executada porque o programa era diário. Tenho muito orgulho. Certamente, é a música que me deu mais dinheiro e mais destaque. É curioso que tenho uma banda de rock com 30 anos e a música mais conhecida seja um tema de programa. Mas trabalho em TV, não é tão absurdo. É interessante compor algo nada a ver com o que você faz", conta Paulão ao UOL.

Paulão se inspirou no auge do axé, que invadiu as rádios FM nos anos 90, para tentar se salvar. O embrião da abertura do "Fantasia", porém, não tinha "mel e luz, praia e sol", como diz a letra que faz sucesso desde 1997 e ainda é tocada em karaokês e baladas que relembram a década. A primeira versão da música, mais triste e lenta, faria o público e as dançarinas chorarem ao vivo.

"Estava tocando axé por todo lado. A melodia veio na minha cabeça e fiz uma letra triste de blues dentro de um axé. 'Vou por aí, largado, triste, sem ter quem me queira', um negócio nada a ver. O dia em que mostrei para o diretor, Paulo Santoro [do 'Fantasia'], ele falou: 'Paulão, é muito legal, mas mude essa letra porque o pessoal vai chorar. Fale de sol, do mar, do verão'. Fui anotando as palavras, e ficou bem no clima de axé, completamente tropical, falando de alegria, praia, coerente com o programa", explica.

Desmaio e mico

Paulo de Carvalho com Jackeline Petkovic no "Fantasia", em 1998 - Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho - Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho
Paulo de Carvalho com Jackeline Petkovic no "Fantasia", em 1998
Imagem: Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho
Quando apresentou o futuro tema do "Fantasia" ao diretor, Paulão trabalhava na atração como redator e diretor de palco e colocava no eixo as 70 moças do programa. "Era difícil fazer as meninas pararem de falar para gravar, era complicado", recorda. No entanto, ele precisou enfrentar problemas mais graves: "Como eram todas modelos em início de carreira, elas faziam regime e gravavam sem comer para manter a forma. Cheguei a tirar mais de uma delas desmaiadas no palco".

Das cinco apresentadoras iniciais, a caçula Jackeline Petkovic deu mais trabalho. Tímida, tentou vaga de dançarina, mas virou apresentadora após tanto rir nos testes. Ao vivo, pagou micos durante as concorridas provas, escritas por Paulão e realizadas com o público por telefone --o programa chegou a derrubar a rede de São Paulo.

"Jackeline era muito distraída. Perguntou 'quem era o técnico da seleção brasileira'. Na época, era o Zagallo. Ficávamos com uma dália na frente dela. A pessoa falou errado e ela explicou que era o 'Zé Galo', diz Paulão, aos risos.

Paulo de Carvalho (ao centro) com a produção e as apresentadoras do "Fantasia" - Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho - Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho
Paulo de Carvalho (ao centro) com a produção e as apresentadoras do "Fantasia"
Imagem: Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho

"Cartilha de comportamento" de Silvio

Silvio Santos acompanhou de perto os pilotos do "Fantasia" antes de entrar no ar. O dono do SBT apostou tanto no projeto que tratava as moças do programa como filhas dele e não deixava nenhuma delas sair da linha. Paulão já foi o responsável por elas em baladas.

"Silvio chegou para as meninas e falou assim: 'Se alguém aqui mexer com vocês e tratar com desrespeito, podem ir direto na minha sala'. Lembro que convidaram todas para uma festa e um produtor pediu para eu tomar conta porque todos queriam pegá-las. Botei todas no palco e enchi de segurança em volta. Ninguém chegava lá. Elas também odiaram, porque queriam se divertir. Elas eram muito jovens. Se aprontassem, havia vigilância. Não podiam tirar fotos ousadas nem ir para baladas. Elas tinham uma certa 'cartilha de comportamento'", relembra.

"Politicamente correto comanda o mundo"

Paulo de Carvalho trabalha com Celso Portiolli no "Domingo Legal" - Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho - Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho
Paulo de Carvalho trabalha com Celso Portiolli no "Domingo Legal"
Imagem: Arquivo pessoal/Paulo de Carvalho
Paulão entrou no SBT em 1991, quando já liderava o Velhas Virgens. Entre idas e vindas, começou com as apresentadoras infantis Mariane e Mara Maravilha, que derrotavam Xuxa, trabalhou com Gugu e Silvio Santos e fez parte da primeira equipe do "Domingo Legal", programa em que chefia a redação sem parar desde 2009, quando Celso Portiolli assumiu.

"Os dias mais marcantes foram com os Mamonas Assassinas. Eles iriam fazer um musical de bobeira, ninguém botava fé, mas foram ficando e deu muito ibope. Na morte deles, me ligaram [do programa] às 8h30 para avisar que eles tinham morrido. Foi terrível, o dia mais difícil, mas foi nossa maior audiência, chegou a 40 pontos", lembra Paulão, que também acompanhou o auge da "Banheira do Gugu".

"A história com o Pedro de Lara é a pior de todas. Fazíamos o quadro em um galpão e reclamaram que a água estava fria. Botamos um aquecedor, mas o quadro atrasou e esqueceram de tirá-lo. Quando o Pedro entrou na banheira, estava fervendo. Ele bateu dentro e pulou para fora falando tanto palavrão: 'Seus filhos da p..., vocês querem me cozinhar!".

Autor de músicas de forte apelo sexual, Paulão viu a mentalidade da TV mudar com o passar dos anos. A "Banheira" saiu do ar após veto da Justiça. As câmeras nos bumbuns das modelos foram abolidas. Aos 52 anos, o roqueiro e redator de televisão culpa o "politicamente correto" pelo excesso de "censura moral".

"A censura moral, não a oficial como na ditadura, é muito chata. De repente, começaram a pegar no pé de tudo, principalmente com a 'Banheira', com os ângulos. Se procurar na programação de televisão, vai achar coisas muito mais agressivas do que era a 'Banheira'. Era uma brincadeira bem divertida e está no inconsciente das pessoas. Alguém concluiu que o politicamente correto tinha que comandar o mundo, e o mundo ficou bem mais chato", critica.