Topo

Como Aguinaldo Silva foi de autor estrela a dispensado pela Globo

O autor de novelas Aguinaldo Silva não teve o contrato renovado pela Globo - TV Globo/Divulgação
O autor de novelas Aguinaldo Silva não teve o contrato renovado pela Globo Imagem: TV Globo/Divulgação

Guilherme Machado

Do UOL, em São Paulo

04/01/2020 04h00

Ontem, causou espanto a notícia de que a Globo decidiu não renovar o contrato com o autor Aguinaldo Silva, um de seus mais antigos e respeitados novelistas. Na emissora, Aguinaldo foi responsável por uma série de trabalhos de sucesso. Entretanto, em anos recentes, o autor foi envolvido em uma série de polêmicas e viu suas obras se envolverem em problemas com a crítica e com o público, sendo que seu último trabalho, O Sétimo Guardião (2018), entrou para história como um dos projetos mais frustrantes do horário nobre.

Mas como o autor, que foi um dos destaques do horário nobre e sempre falou com orgulho que nunca escreveu uma novela para outra faixa, acabou caindo do pedestal? A história envolve problemas com colegas e fracassos de crítica e público.

Início

1 - "Roque Santeiro', Globo, 1985-1986, com Regina Duarte, Lima Duarte e grande elenco - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Roque Santeiro foi o começo do sucesso de Aguinaldo Silva na Globo
Imagem: Reprodução/TV Globo

Aguinaldo é natural de Carpina, no Pernambuco, e começou sua carreira profissional como jornalista. Trabalhando anos como repórter policial, ele também foi responsável por editar o primeiro jornal gay da história do Brasil: O Lampião. Depois, por conta de sua experiência, ele foi convidado para ser um dos roteiristas do seriado Plantão de Polícia, que retratava justamente a rotina de um jornalista de polícia, Waldomiro Pena (Hugo Carvana).

Pouco tempo depois, Aguinaldo foi chamado para escrever sua primeira novela: ele dividira com Gloria Perez a missão de escrever a próxima novela das 20h. A experiência não foi exatamente bem-sucedida, ficou claro que os dois escritores tinham estilos e ideias bem diferentes e Aguinaldo sequer chegou a terminar o trabalho, deixando para sua colega a missão de concluí-lo.

Mas, apenas um ano depois, Aguinaldo teria sua primeira grande chance como novelista. Em 1985, a Globo decidiu produzir Roque Santeiro, novela de Dias Gomes que havia sido vetada pela ditadura. Só que o escritor não quis dar sequência ao trabalho desta vez, e depois de ler uma sinopse que Aguinaldo escreveu sobre uma trama envolvendo um jogador de futebol, o escolheu para missão.

Auge

Betty Faria em "Tieta" - Divulgação/TV Globo - Divulgação/TV Globo
Betty Faria em Tieta, um dos maiores sucessos de Aguinaldo Silva
Imagem: Divulgação/TV Globo

Aguinaldo atualizou os capítulos originais de Dias e deu sequência à novela. Em pouco tempo, Roque Santeiro se tornou um dos maiores sucessos da história da rede Globo, batendo inúmeros recordes de audiência e sendo lembrada até hoje. A trama também acabou gerando a primeira inimizade de Aguinaldo dentro da Globo.

Segundo o autor relata, quando Dias Gomes viu o tamanho do sucesso que a novela começou a fazer, o escritor decidiu que queria reassumir a história que criou, mas Aguinaldo não quis. No final, Dias ganhou o cabo de guerra e tomou a novela de volta, e a situação criou um atristo entre os dois que durou anos. Mas, o próprio Aguinaldo diz que o episódio garantiu sua permanência no mundo das telenovelas, já que ele demonstrou vontade para terminar o trabalho que começou.

Eva Wilma como Maria Altiva em A Indomada, um dos grande sucessos de Aguinaldo Silva - ReproduçãoGlobo - ReproduçãoGlobo
Eva Wilma como Maria Altiva em A Indomada, um dos grande sucessos de Aguinaldo Silva
Imagem: ReproduçãoGlobo
E realmente, a carreira de Aguinaldo despontou de vez. Depois de ser um dos coautores de Vale Tudo (1988), o escritor fez Tieta (1989), baseada na obra de Jorge Amado, um sucesso estrondoso que firmou um estilo do autor: o realismo mágico.

Desde então, o autor passou a focar em histórias que se passavam em pequenas cidades, onde tudo poderia acontecer, desde um homem que falava com os mortos até outro que podia transformar ossos em ouro. E assim, Aguinaldo seguiu com este estilo, com produções de sucesso como Fera Ferida (1993) e A Indomada (1997).

Em 1999, Aguinaldo enfrentou o seu primeiro grande problema na dramaturgia. Depois de uma série de tramas com elementos fantásticos e interioranas, ele decidiu investir em um trabalho mais realista e urbano, escrevendo Suave Veneno. A empreitada, sem eufemismo, foi um desastre: a novela passou a marcar índices baixos de audiência, e o autor precisou mudar uma série de elementos da trama em questão de dias.

No final, só a vilã caricata de Letícia Spiller, Maria Regina, ficou na história da novela, considerada um dos pontos mais baixos do novelista na TV.

Após Suave Veneno, Aguinaldo retornou ao realismo mágico com Porto dos Milagres (2001), mas o autor já estava cansado e sentiu que estava se repetindo, e foi aí que tentou mais uma vez transitar no universo realista.

Desta vez, o sucesso chegou forte. Com Senhora do Destino (2004), Aguinaldo sempre se orgulhou de ter obtido a maior audiência do milênio. E de fato, a trama é a única a ter obtido mais de 50 pontos de média nos anos 2000. Tudo funcionou muito bem na novela, em especial sua principal vilã, Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), que entrou para a história como uma das maiores vilãs das telenovelas e é dona de memes até hoje.

Declínio

Bruno Gagliasso e Marina Ruy Barbosa são os protagonistas de "O Sétimo Guardião" - TV Globo/Divulgação - TV Globo/Divulgação
Bruno Gagliasso e Marina Ruy Barbosa são os protagonistas de O Sétimo Guardião, um dos maiores fracassos do horário nobre
Imagem: TV Globo/Divulgação

Depois de Senhora do Destino, Aguinaldo teve dificuldades em manter seu êxito, seja no âmbito da audiência ou da crítica. Sua novela das 20h seguinte, Duas Caras (2007), foi vista como um trabalho inferior, e não foi considerada um sucesso de audiência. Pouco após, ele trabalhou na supervisão de texto da novela Tempos Modernos (2010), de Bosco Brasil, considerada um dos maiores fiascos da história do horário das 19h.

Marcelo Serrado como Crô, um dos personagens mais populares (e criticados) de Fina Estampa - Divulgação/TV Globo - Divulgação/TV Globo
Marcelo Serrado como Crô, um dos personagens mais populares (e criticados) de Fina Estampa
Imagem: Divulgação/TV Globo
Seu próximo trabalho no horário nobre, agora chamado de horário das 21h, Fina Estampa (2011), foi um caso curioso. Se por um lado a trama teve altos índices de audiências, por outro, ela foi estraçalhada pela crítica especializada, que reclamaram constantemente da história e dos personagens de Aguinaldo. Não ajudou muito que o folhetim que veio logo em seguida foi Avenida Brasil (2012).

A novela de João Emanuel carneiro apagou quase imediatamente qualquer legada a longo prazo que Fina Estampa pudesse ter. Ninguém queria mais saber quem eram Grizelda (Lilia Cabral) e Tereza Cristina (Christianne Torloni), e sim quando Rita (Débora Falabella) se vingaria de Carminha (Adriana Esteves).

Para piorar, Fina Estampa provocou uma das maiores brigas da teledramaturgia nacional, quando Aguinaldo Silva acusou o colega Walcyr Carrasco de copiar uma trama da novela em sua Morde e Assopra (2011).

O autor ainda teve momentos de glória com Império (2014), novela que iniciou como grande promessa no horário nobre, e que até ganhou um Emmy Internacional - o segundo do novelista —, mas que com o passar do tempo passou a ser criticada por ter perdido seu ritmo e por sua trama cada vez mais inverossímil, apesar de ter ajuda a aumentar um pouco a audiência da faixa.

Desde Império, Aguinaldo não produzia uma novela das 21h, mas acompanhava a dos colegas, e não exatamente de uma forma generosa. Durante A Força do Querer, o autor fez um tweet criticando a forma como a transsexualidade era representada na novela. Em O Outro Lado do Paraíso, quando a vilã Sophia (Marieta Severo) começou a matar as pessoas com tesouradas, o autor se gabou de que sua vilã Nazaré foi a primeira a fazer isso.

Em 2018, Aguinaldo decidiu retornar ao realismo mágico, e escreveu O Sétimo Guardião. Quase tudo já foi dito sobre a novela, de como ela foi uma catástrofe do começo ao fim, de como alunos de uma masterclass do autor o processaram e à Globo exigindo parte dos direitos pela autoria da novela, de como ela foi tomada por polêmicas nos bastidores, desde um casamento encerrado até um galã internado, de como a direção da emissora se reuniu com o elenco, sem a presença do autor, para "pedir desculpas" pelos "percalços".

O fato é que O Sétimo Guardião se tornou um fracasso enorme de audiência e ainda teve que lidar com críticas negativas de todos os lados, sendo considerada por muitos a pior novela de Aguinaldo Silva, que agora, não muitos meses depois, deixa a emissora na qual trabalhou por mais de 40 anos, depois uma carreira de sucesso, mas também marcada por inimizades e um fracasso estrondoso, que deixou um gosto amargo na boca do público e, pelo visto, da Globo.