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Emicida põe o 'dedo na ferida' ao falar de racismo e coronavírus no Faustão

Emicida no Faustão - Reprodução/TV Globo
Emicida no Faustão Imagem: Reprodução/TV Globo

Do UOL, em São Paulo

14/06/2020 20h07

Emicida deu uma aula no Domingão do Faustão de hoje. Participando do programa de maior audiência da televisão brasileira aos domingos, o rapper não poupou ninguém ao falar de racismo, pandemia e violência doméstica, entre outros assuntos essenciais e atuais.

Em uma entrevista por vídeochamada com o apresentador Fausto Silva, o cantor conseguiu relacionar os protestos nos Estados Unidos com o racismo estrutural que o Brasil enfrenta, citando a morte do menino Miguel no Recife e do menino João Pedro no Rio de Janeiro.

Ao final, foi bastante elogiado por Faustão, que ouviu atentamente ao discurso dele.

Esse é o Emicida. Um dos nossos orgulhos com inteligência e sensibilidade. Ele põe o dedo na ferida com muita ponderação. Fausto Silva, o Faustão

Veja o que Emicida falou no Domingão:

Fragilidade masculina

Ao longo da vida fui percebendo que a gente também é muito sensível como homem, mas não podemos mostrar isso porque temos que alimentar aquela imagem de que o homem é machão, durão, não chora. A consequência disso é bem ruim. Acaba fazendo com que a gente tenha cargas de estresse gigantescas, faz com que a gente exploda de maneira violenta e gera várias outras cargas mentais. Como homens temos que nos relacionar melhor com a nossa sensibilidade, isso não é uma característica exclusiva das meninas.

Violência doméstica

Eu venho de uma realidade de bastante pobreza. Lembro dos primeiros anos da minha vida a gente morava em um cortiço. Tinha um escadão e tinha uma casa que era colada na nossa, parece com parede. E lá o marido agredia a mulher dia após dia. Esse inclusive foi o motivo pelo qual a minha mãe decidiu se mudar dali. Estou falando aqui sobre os anos 1980, mas a gente não pode agir como se isso também não fizesse parte da realidade do nosso país nos dias de hoje. A violência contra a mulher ainda faz parte da nossa realidade.

Nesse momento que estamos reclusos em casa muitas mulheres estão trancadas com os seus agressores.

Mulheres trans também estão sendo vítimas, e tem projetos para que elas também sejam protegidas pela Lei Maria da Penha. Tem um caminho muito longo ainda para que a gente possa se orgulhar como sociedade.

Racismo

A gente finge que esse é um problema de lugares como a África do Sul ou os Estados Unidos.

O imaginário do brasileiro médio foi conduzido através de uma reflexão que faz ele acreditar que a gente vive de fato em uma democracia racial, o que não é verdade.

E é por isso que quando uma nova geração emerge e traz à tona um discurso de que a gente vive um estado de desespero, de emergência e muito perigo. Quanto mais escura for a cor da sua pele, mais perigoso é. Essa tragédia que aconteceu com o George Floyd está fazendo o mundo inteiro fazer uma reflexão de como estruturalmente muitas pessoas corroboram com essa estrutura racista. Mas o Brasil tem emergências que precisam que ele se debruce sobre a sua realidade doméstica.

Caso Miguel e João Pedro

Estamos falando aqui uma semana depois de uma garota em Pernambuco abandonar uma criança no elevador e essa criança cair do nono andar e falecer. Isso é uma tragédia gigante.

A gente precisa sim se perguntar por que uma pessoa em pleno gozo de sua faculdade mental abandona uma criança de cinco anos dentro de um elevador?

Porque ela não consegue reconhecer nem a humanidade daquela criança e nem a necessidade de cuidado. Porque ela acha que esse cuidado são cuidados que ela deve ter com pessoas que se pareçam com ela. Esse é o grau de profundidade dessa questão.

E há duas semanas atrás o menino João Pedro no Rio de Janeiro tomou um tiro nas costas e faleceu enquanto cumpria sua quarentena em casa. Um tiro que foi disparado por um policial. A nossa realidade tem situações tão ou mais desesperadoras. E precisamos nos levantar contra isso também.

Coronavírus

As mudanças que a gente precisa não estão ligadas ao coronavírus. A pandemia não é uma escolinha onde a gente está aqui parado aprendendo sobre a situação e como a gente é humano e precisa ajudar todos os outros seres humanos. Muito pelo contrário. O que eu acredito que a gente está vivendo é um paradoxo muito triste. Por um lado a gente enfrenta um vírus que se espalha muito rápido, mas não tem uma letalidade tão grande.

O que é extremamente letal são os abismos sociais que a nossa sociedade produziu e finge que não existem.

Todas as pessoas estão sujeitas a se contaminar, mas nem todas as pessoas podem se tratar após se contaminar. Temos uma situação muito emblemática no Brasil que a primeira vítima do coronavírus é uma empregada doméstica que pegou o vírus de sua patroa, aparentemente. Isso é muito simbólico. As pessoas pobres se contaminam mais, tem menos condições de se cuidar e essa letalidade é amplificada não pelo vírus, mas pelos abismos sociais.