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Caetano Veloso relembra prisão: 'Não chorava e não tinha excitação sexual'

Caetano Veloso participa do programa Conversa com Bial - Reprodução/vídeo
Caetano Veloso participa do programa Conversa com Bial Imagem: Reprodução/vídeo

Colaboração para o UOL

05/09/2020 02h52

Com o documentário "Narciso em Férias" prestes a estrear, Caetano Veloso recordou de alguns detalhes de quando foi preso pela ditadura militar, em 1968. Entre as amargas lembranças, o cantor disse que não conseguia chorar e nem ter excitação sexual durante o período em que esteve na solitária.

"Eu não chorava e não tinha nenhuma excitação sexual. Mesmo que eu buscasse, era impossível", revelou Caetano durante o "Conversa com Bial" desta madrugada. Segundo o músico, somente após ter sido transferido para outro quartel é que a libido voltou a aparecer.

"No terceiro estágio da prisão, fui transferido para os 'paraquedistas', e lá eu ficava sozinho em uma cela que tinha uma cama e um banheiro com chuveiro. Era como se fosse uma suíte. E com esse relativo bem estar, quando a Dedé [Gadelha] me visitava, foi que renasceu o desejo sexual", disse o cantor baiano de 78 anos.

"Narciso em Férias" narra a prisão de Caetano pela ditadura militar, em 1968, e vai representar o Brasil no 77º Festival de Veneza na próxima segunda-feira (7). Dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, e produzido pela companheira e empresária do cantor, Paula Lavigne, o documentário também estreará no catálogo do Globoplay horas depois da exibição na Itália.

Preso em 27 de dezembro de 1968, quando foi retirado de sua própria casa, em São Paulo, por agentes do regime militar, Caetano foi levado para uma solitária no Rio de Janeiro e uma semana depois foi transferido para outra cela. A prisão aconteceu 14 dias após o AI-5 ter sido decretado no final daquele ano. Gilberto Gil também foi preso no mesmo dia.

Superstições

Sobre o período encarcerado, Caetano revelou que desenvolveu uma série de superstições e interpretava certos eventos como sinais de bom ou mau agouro. Uma delas era ficar sem se masturbar. "Eu me proibia terminantemente a masturbação e obedeci até sair", disse ele, e explicou o porquê: "Seria a perda da energia que resultaria em uma possível soltura".

Outras superstições envolviam baratas e uma música famosa dos Beatles. "Me lembro nitidamente que 'Hey Jude' (composta por Paul McCartney) era a canção positiva; quando tocava através do rádio de um dos soldados, era sinal de que ia melhorar a minha situação. Já a aparição de barata, que até hoje eu tenho medo, era o pior sinal possível", recordou.

Mas foi outra canção que marcou Caetano profundamente nessa época e o emociona até hoje: "Onde o Céu Azul é Mais Azul", de Francisco Alves.

"Só de falar o nome dela eu já fico com vontade de chorar, e com pena da canção porque era muito bonita", disse ele antes de complementar com os olhos marejados: "Uma coisa comovente, não assustadora ou ameaçadora. Tive pena de não ter cantado a canção todos esses anos, e de não ter coragem de cantar agora".

Soltura

Em 19 de fevereiro de 1969, tanto Caetano quanto Gil foram soltos, e depois veio o exílio na Inglaterra, mas o trauma de ter sido preso nunca saiu do cantor.

"Parecia que nunca mais eu ia sair dali [da prisão] e que eu nunca tinha estado em outro lugar. Teve momentos na primeira fase que parecia que eu nunca tinha vivido o que eu vivi fora, e que a minha vida era aquilo e o resto tinha sido sonhos e fantasias que eu tinha tido", finalizou.

O "Conversa com o Bial" vai ao ar de segunda à sexta-feira após o Jornal da Globo.