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Gazeta do Povo decide manter Constantino e revolta redação do jornal

Rodrigo Constantino foi demitido de outros grupos após fala sobre estupro - Reprodução/Instagram
Rodrigo Constantino foi demitido de outros grupos após fala sobre estupro Imagem: Reprodução/Instagram

Leandro Carneiro

Do UOL, em São Paulo

06/11/2020 13h27

Depois de ser desligado da rádio Jovem Pan, da Record, da Rádio Guaíba e do Correio do Povo, Rodrigo Constantino teve seu vínculo com o jornal Gazeta do Povo mantido.

Segundo apurou o UOL, a decisão foi informada na manhã de hoje aos funcionários do jornal que se sentiram "frustrados, envergonhados e revoltados" com a postura. Na conversa, os chefes disseram que passarão a observar mais o comportamento de Constantino nas redes.

Os diretores do GRPCOM (Grupo Paranaense de Comunicação) deixaram em aberto a possibilidade de mudar a decisão caso a postura dele se repita. As falas dele foram consideradas graves, mas a direção negou que ele faria "apologia ao estupro".

Em nota divulgada hoje, o veículo disse que analisou o posicionamento do jornalista e que, em sua coluna, explicou melhor o que Rodrigo queria dizer.

"Rodrigo Constantino explica de forma mais clara e objetiva o que quis e o que não quis dizer. Isso não nos impede de considerar que suas manifestações iniciais foram inoportunas e infelizes, intempestivas e formuladas com imprecisão, dando margem a dúvidas que precisaram ser esclarecidas. É compreensível, portanto, parte do desconforto e constrangimento que despertou em muitas pessoas", afirma o comunicado.

O jornal ainda endossou o texto de Rodrigo, afirmando que os pontos se esclareceram.

"Na sua coluna desta quinta, no entanto, disse que jamais teve a intenção de analisar qualquer situação em concreto e reforçou a necessidade de que o caso de Mariana seja apurado e que, assim, faça-se justiça. Disse, inclusive, que acha brandas as penas do crime de estupro em nosso país", completou.

Por fim, o jornal entendeu que Rodrigo não ultrapassou o limite ético da publicação e decidiu por manter o colunista entre seus colaboradores.

"Ainda que não concordemos com a forma de muitos dos seus posicionamentos e com muitas das suas opiniões, continuamos acreditando na importância da diversidade de ideias e na importância do diálogo para a construção de uma sociedade melhor e de uma democracia cada vez mais madura, razão pela qual, após várias ponderações e análises, decidimos pela manutenção de Rodrigo Constantino em nosso quadro de colunistas", conclui.

Revolta de colegas

O posicionamento não agradou jornalistas da redação do jornal. Segundo a carta obtida pelo UOL, mais de cem funcionários assinaram um texto de repúdio ontem.

O manifesto foi direcionado à direção do jornal, a família dos irmãos Guilherme Cunha Pereira e Ana Amélia Filizola e o grupo de comunicação GRPCOM.

"As colaboradoras da Gazeta do Povo abaixo assinadas receberam o comentário com incômodo e enxergam no episódio uma violação às convicções do jornal", informa o início da carta.

Ela ainda cita trechos da tal coluna de Constantino e pede mais esclarecimentos por parte do jornal.

"Gostaríamos, assim, de mais transparência da direção em relação ao tema e seus possíveis desdobramentos. O colunista da Gazeta do Povo, em seu texto, culpa vítimas pela violência sofrida. Não existe 'assumir o risco de ser estuprada'. É mais uma situação de opressão em cima da mulher, que não considera avanços de entendimento da sociedade de que estupro não é apenas o ato sexual imposto de forma violenta, mas também o que passa por cima do consentimento", critica.

Misoginia

A carta dos funcionários ainda classifica o texto do jornalista como misógino.

"Constantino cobra "responsabilidade" da vítima e condena "banalização" do uso do termo estupro, mas descarta a palavra da vítima e ignora o fato de que a violência sexual tem inúmeras outras formas que não um ato consumado. Pior: dissemina esse entendimento deturpado, prejudicando o debate tão essencial. A misoginia perpassa toda a construção do texto além de deixar subentendida a avaliação de que tipo de mulher se coloca sob risco", afirma.

O comunicado diz que é frustrante compartilhar o espaço de trabalho com Constantino mediante a situação e que ele desrespeitou não só as mulheres, mas como a linha editorial do jornal, que tem um "caderno de convicções" lançado em 2017.

As colaboradoras da Gazeta do Povo consideram extremamente frustrante compartilhar espaço com esse tipo de declaração, que não vem acompanhada de pedido de desculpas.

"A Gazeta do Povo quer proporcionar um ambiente onde as mulheres se sentem seguras para desempenhar seu trabalho ou, ao contrário, um ambiente em que o machismo e a violência moral, verbal e, eventualmente, física, seja vista como tolerada pela direção? Neste cenário, as colaboradoras entendem haver um incentivo ao assédio, à cultura de julgar a vítima e desestímulo a denúncias. Com isso, há perda de respeito e engajamento aos valores e ideais do grupo", encerra, cobrando mais firmeza em uma decisão.

Resposta da direção

Além do comunicado publicado em seu site, Ana Amélia Filizola, sócia-proprietária do grupo, enviou uma mensagem para os funcionários em resposta a carta. O conteúdo é semelhante ao públicado pela Gazeta em seu site confirmando a permanência de Constantino.

Reação de empresas

A decisão da Gazeta do Povo provou reação em demais empresas que possuem relações com o jornal. A Loft Imóveis declarou hoje que não irá mais anunciar no veículo. Em nota publicada no Twitter, a empresa afirma que "tomou conhecimento nesta tarde de carta publicada pela Gazeta do Povo" e que "decidiu nesta sexta-feira, 06 de novembro de 2020, suspender por período indeterminado, a veiculação de anúncios publicitários de sua marca no jornal Gazeta do Povo."

A empresa ainda acrescentou: "A decisão do veículo contrasta com outros meios que desligaram o colunista após estas declarações, como Rádio Jovem Pan, Record, Correio do Povo e Rádio Guaíba. A Loft se reserva o direito de direcionar seu investimento em publicidade a veículos que não compactuam com qualquer posicionamento que enxergue atenuantes circunstanciais no cometimento do crime de estupro, conforme previsto no artigo 213 do Código Penal. A Loft defende incondicionalmente o respeito e a proteção às mulheres vítimas de violência."

Demissões

As demissões dos outros aconteceram após comentários feitos por ele sobre o caso de Mariana Ferrer — que foi vítima de estupro e viu o acusado do crime se inocentado.

Constantino disse que, caso o mesmo acontecesse com a filha dele, ela seria castigada — e ele não denunciaria o agressor para a polícia.

O comentarista chegou a se pronunciar após ser desligado do quadro de colaboradores da Record. Em publicação feita em seu Twitter, ele criticou a pressão — a que chamou de "tática fascista" — e afirmou que o departamento comercial da Record "pediu arrego".