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Ex-modelo e empresária brasileira processará argentina por racismo na TV

Luciana Taddeo

Colaboração para o UOL, em Buenos Aires

16/10/2021 15h24Atualizada em 16/10/2021 21h03

A ex-modelo e atriz brasileira Anamá Ferreira, dona de uma agência e escola de modelos com diversas unidades na Argentina, processará a vedete argentina Adriana Aguirre por racismo. Segundo ela, a artista argentina não cumpriu devidamente o acordo entre o advogado de ambas de se desculpar publicamente por chamar Ferreira de "macaco" em um programa de televisão.

"Deixe-me falar, macaco", disse a argentina Adriana Aguirre para a brasileira. O episódio ocorreu quando ambas participavam de um programa no Canal Nueve, de Buenos Aires. A vedete contava sobre o problema que teve nos glúteos e pernas devido a uma queda quando dançava em um show, e usou a frase quando Ferreira a interrompeu dizendo para que elas começassem logo o jogo do qual participariam.

Indignada com o comentário, Ferreira abandonou o estúdio durante intervalo. "Perguntei se ela estava louca de falar isso no ar, um comentário extremamente racista, disse que achava totalmente fora de lugar, que era um horror e que não ficaria mais lá. E fui embora", contou ao UOL.

Na tentativa de evitar um processo, o advogado de Aguirre entrou em contato com o de Ferreira e os representantes de ambas as artistas chegaram a um acordo verbal de que a argentina faria uma doação a um refeitório comunitário e pediria desculpas à brasileira em um programa de televisão de audiência.

Na última sexta-feira (15), Aguirre fez uma aparição em outra emissora de TV aberta, para as desculpas a Ferreira, e afirmou: "A fala foi, evidentemente, mal-interpretada pela Anamá, porque nunca me referi à sua cor de pele", disse Aguirre, complementando: "No momento eu estava falando sobre o acidente da minha perna e ela se mexia, se mexia assim, para o meu gosto, [são] macaquices. E foi simplesmente isso".

Durante os cerca de 10 minutos em que falou sobre o episódio, a artista disse que se sentiu muito mal por Anamá ter se ofendido. "Me senti muito arrependida, digo de coração, porque esta má interpretação, o que ela interpretou, não era meu sentimento, minha intenção, em querer dizer algo que a reduzisse, ferisse, ofendesse, de nenhuma forma".

Enquanto falava, Aguirre escutou de uma das apresentadoras que comandavam o programa: "É bom você se explicar e pedir desculpas, porque sabe como soou para quem escutou? Como algo que saiu da sua alma. Eu entendo o que você está dizendo agora, como você está explicando, mas o mundo viu dessa forma".

A argentina, no entanto, negou, explicando que, na ocasião, já era quase o momento do intervalo, e que queria falar sobre sua situação de saúde. Entre os argumentos para explicar a expressão usada para falar com Ferreira, "macaco" ("mono", em espanhol), ela também chegou a citar o filme King Kong e falou em "macaquices" ("monadas", em espanhol).

"[Falei isso] pelas macaquices. Vocês lembram do filme King Kong? Lembram de quando ele fazia essas macaquices quando tinha a menina na palma das mãos, fazia caras? Foi por isso!", afirmou a argentina. Ela também alegou que a expressão "cale a boca, macaco" foi inventada pelo ex-jogador de futebol Luis Cubilla no passado, em resposta a xingamentos de um torcedor que tinha subido nas grades do estádio.

O advogado da artista argentina também falou no programa, expressando que o acordo com o representante da brasileira foi um "pacto de cavalheiros", e não chegou a ser uma mediação judicial. Mas neste sábado, Ferreira disse ao UOL que seu representante já entrou em contato com o de Aguirre para dizer que a tentativa de retratação desta sexta não foi aceita como um pedido de desculpas.

Ferreira, que ganhou notoriedade na Argentina nos anos 1980, como modelo, apresentadora de televisão e atriz, e até hoje participa de programas em diferentes canais do país, conta nunca ter sofrido racismo de forma tão explícita como neste episódio e que não vai descansar até a artista argentina reconhecer que cometeu um ato de racismo.

"Ela tinha que ter pedido desculpas, dito que foi um comentário racista, que não vai acontecer mais, que nós temos que mudar, que essas expressões não devem ser usadas. Não posso dar um passo atrás porque a minha posição na Argentina não me permite isso, e muita gente me escreveu contando que sofre racismo de diferentes formas", expressa.

Hoje dona de uma escola e agência de modelos com diversas sedes na Argentina, Ferreira disse que, a partir de agora, vai lutar para que a sociedade argentina deixe de usar expressões racistas. "Vou atuar para que as escolas ensinem sobre os afro-americanos na Argentina, e do passado da população negra daqui, que foi apagado", garante.