O homem e o show

Mais do que competitivo na TV, Gugu era afiado nos negócios, amoroso com a família e reservado na intimidade

Por Débora Miranda, Felipe Pinheiro e Paulo Pacheco Do UOL, em São Paulo

O desafio era: empilhar taças e encher todas elas com um líquido colorido sem derrubar nada e no menor tempo possível. A clássica brincadeira do programa Viva a Noite (SBT, 1982-1992), que contava com a participação de famosos, sintetiza bem o que, por muito tempo, foi o trunfo de Gugu Liberato na TV: formatos simples e originais, que, conduzidos pelo carisma do apresentador, viravam sinônimo de audiência.

Gugu, no palco, se bastava e sabia disso. O entretenimento era ele mesmo. Não precisava de ideias geniais —o que não significa que não as tenha tido. Teve, e foram muitas. É quase consenso entre os que trabalharam ao seu lado: era um visionário.

E não apenas nos programas de TV que comandou ao longo dos 40 anos de carreira. Tinha olhar afiado para os negócios. Empresariou grupos musicais, agenciou artistas, investiu em audiovisual, licenciou produtos.

"Ele tinha tantas qualidades que o considero mais do que um apresentador, mais do que um comunicador. Ele tinha uma coisa rara como profissional: era um animador puro sangue. Era animador de auditório, animador de negócios, animador de família, animador em sua vida pessoal e como amigo. No Brasil a gente pode contar nos dedos quem tem tanta habilidade no mundo do entretenimento. Ele vai fazer muita falta", define Marcos Quintela, que fez parte do Dominó —boy band lançada por Gugu nos anos 1980— e hoje é presidente do Grupo Newcomm.

Gugu sofreu um acidente doméstico na última quarta-feira, ao tentar arrumar um ar condicionado em sua casa, em Orlando. Caiu de uma altura de quatro metros e ficou gravemente ferido. Na noite de sexta, sua morte foi anunciada.

Religioso e apegado à família, o apresentador vinha vivendo uma fase diferente. Diminuiu o ritmo de trabalho e estava se dedicando a dois reality shows da Record, O Canta Comigo e o Power Couple. Com uma janela de folga maior, sobrava tempo para que ele conseguisse aproveitar mais os filhos, que viviam com ele na Flórida (EUA).

Aquela loucura dos programas ao vivo, da guerra por décimos no Ibope, Gugu deixou para trás.

Guerra entre amigos

O fim dos anos 1990 e o início dos anos 2000 marcaram uma época tensa da televisão. Amigos fora de cena, Gugu Liberato e Fausto Silva protagonizaram a maior guerra de audiência da história da TV brasileira. Com muita emoção e baixaria, Domingo Legal e Domingão do Faustão rivalizaram pela preferência do público, num embate por cada décimo de audiência que culminou em falta de limites e enxurrada de críticas.

A disputa por audiência teve início aos sábados, enquanto Gugu comandava o Viva a Noite e Faustão, o Perdidos na Noite (Gazeta, Record e Band, 1984-1988). A diferença era que, nessa época, a concorrência era saudável, e o apresentador do SBT chegou a visitar o programa do colega, que até dançou o Baile dos Passarinhos.

Em 1988, começou a se desenhar a rivalidade que mudou a televisão no Brasil. A Globo, que havia perdido Gugu para Silvio Santos, contratou Fausto Silva para concorrer com o dono do SBT. O Domingão do Faustão, lançado em março de 1989, conseguiu desbancar o rei dos domingos.

Silvio, então, se mexeu, e preparou seu pupilo para os domingos. Em 17 de janeiro de 1993, estreou o Domingo Legal, que logo conquistou os lares brasileiros com quadros como Banheira do Gugu, Táxi do Gugu e as gincanas com os famosos. Quatro anos depois, Silvio mexeu na programação e transferiu Gugu para as 15h, mesmo horário de Fausto Silva. A partir de outubro de 1997, os dois apresentadores disputaram a tapa cada ponto de audiência, com a chegada do ibope minuto a minuto.

Em 1996, o Domingo Legal conquistou uma série de vitórias de audiência com o escândalo do caso Latininho, rapaz com deficiência que imitava o cantor Latino. No ano seguinte, o Domingão despencou no grau da baixaria ao levar ao ar o sushi erótico, quadro que mostrava mulheres nuas com comida japonesa servida sobre seus corpos —e atores comendo.

No SBT, a Banheira do Gugu explorava corpos de homens e mulheres se digladiando por sabonetes escorregadios, vestindo trajes mínimos. Luiza Ambiel era a grande estrela.

Os dois programas também disputavam a tapa atrações musicais que rendiam bom ibope, como estrelas sertanejas da época e grupos de axé.

Sou amigo do Fausto e sempre, até mudar o horário do meu programa, assistia ao dele. A briga é entre as emissoras e não entre nós.

Gugu Liberato, em entrevista ao jornal O Globo

Gugu estava enfraquecido sem a Banheira, vetada pelo Ministério da Justiça por causa da nudez "involuntária". Passou a investir em jornalismo e chegou a passar uma tarde toda de domingo com imagens de um helicóptero sobrevoando o Carandiru durante uma rebelião. A farsa da entrevista com falsos integrantes do PCC, em setembro daquele ano, foi a pá de cal para o Domingo Legal, que perdeu audiência e distância para o Domingão do Faustão.

"Toda concorrência tem um lado salutar, mas eu deveria ter sido mais respeitado no meu estilo. De qualquer forma, acredito muito nas mudanças que virão, porque chegamos no fim do túnel. Não há saída", desabafou Faustão ao jornal O Globo.

Além disso, a Globo passou a investir pesado nas transmissões de futebol aos domingos, apostando que os jogos poderiam ajudar a elevar a audiência de Faustão. Deu-se, então, o fim da Primeira Grande Guerra de audiência aos domingos —sucedida por Eliana, Rodrigo Faro e outros apresentadores.

Criador e criaturas

Da mesma forma que Silvio Santos viu em Gugu potencial para se tornar um grande comunicador, ele próprio abriu espaço para jovens talentos da TV.

Um deles foi Rodrigo Faro, que entrou em 1992 no grupo Dominó —originalmente lançado por Gugu— e que acabou substituindo o apresentador, anos depois, nos domingos da Record. "Ele me deu a grande chance. O Gugu faz parte da minha vida, não dá para falar da minha vida profissional sem falar de Augusto Liberato", disse Faro em entrevista à Record.

Quando a emissora decidiu colocar Faro comandando suas tardes de domingo, Gugu foi a público apoiá-lo e afirmou que não havia ninguém melhor para ocupar seu lugar.

Além das apostas de Gugu, outros apresentadores seguiram seus passos aproveitaram o legado deixado por ele no que se refere a quadros e formatos. Luciano Huck foi um deles. O apresentador criou, por exemplo, o quadro Vou de Táxi, em que ia conversando com algum convidado enquanto dirigia um carro, formato semelhante ao do Táxi do Gugu —embora o apresentador usasse disfarce.

O Construindo um Sonho é outro quadro de Gugu que encontra versão semelhante do Caldeirão. No quadro Lar Doce Lar, a equipe da Globo reforma a casa de alguém que está passando necessidade.

Gugu também abriu espaço para que figuras até então anônimas virassem celebridades em seu programa de TV, ganhado projeção nacional em seu programa. Luiza Ambiel, Renata Banhara e Dani Boy são algumas delas. Ao UOL, eles relembram a relação com o apresentador.

Eu era modelo e fui com uma caravana, cheia de meninas novas e bonitas ao programa dele. Eu estava toda perua, de roupa roxa e cabelo armado, sentada lá atrás. E pensava: Tenho que fazer alguma coisa para chamar a atenção dele. Escrevi para o Sonho Maluco dizendo que queria dar um beijo na careca do Gabú, do Raça Negra, e fui sorteada. Mas, quando me chamaram, eu pulei no Gugu. Quase derrubei ele! Gugu foi meu padrinho. Foi quem me pôs na banheira e quem me dava dicas de direção. As críticas à Banheira do Gugu não pagavam a minha conta. O quadro fez a minha vida e, para mim, não tinha nada demais.

Luiza Ambiel

Eu era uma moça muito simples do interior e sem oportunidade nenhuma. Ele me viu em um vídeo, mandou me buscar e disse que eu havia nascido para brilhar. Ele me construiu, sou cria dele. Ele tinha o dom de acender uma luz no artista, dava oportunidade para quem não tinha voz.

Renata Banhara

Fiquei dos 5 aos 10 anos com o Gugu, até 2002. A experiência que ele me passava era no programa. Além de ser apresentador, ele se autodirigia de uma forma única. Eu presenciava isso ao vivo. Essa experiência é o que vou levar comigo. Fui ao programa pela primeira vez para cantar e, depois, pedi emprego para ele. Gugu fez a minha carreira acontecer de uma forma inacreditável. O que eu sinto é gratidão. O Dani Boy existe por causa do Daniel, mas quem me colocou todos os domingos na TV foi o Gugu.

Dani Boy

Gugu S.A.

Além do talento como apresentador de TV, Gugu Liberato tinha olhar afiado para os negócios. Trabalhou com agenciamento de artistas, lançamento de grupos musicais, licenciamento de produtos e investiu em audiovisual, entre tantas outras coisas. De olho no público infantil, virou história em quadrinhos e brinquedos.

"Ele era um homem muito visionário e estratégico no que diz respeito ao olhar comercial voltado a esse mundo do entretenimento. Esse faro apurado dele para os negócios sempre chamou muito a minha atenção", afirma Marcos Quintela, que foi da primeira geração do Dominó, durante mais de dez anos foi sócio e empresário da apresentadora Eliana e hoje é presidente do Grupo Newcomm, um dos mais importantes no mercado publicitário.

Afonso Nigro, que também fez parte do Dominó, lembra: "Gugu tinha a mente muito aberta para os negócios e chegou a ter uma exportadora de suco de laranja para a Rússia. O cara era sem limites e tinha negócio na veia. Gugu criava artistas que viravam famosos. Era um outro tipo de empreendedor. Eu vi muito mais ele acertar do que errar. É isso que faz do cara um grande empresário. Ele tinha visão e coragem de arriscar".

Para lançar o Dominó, Gugu se inspirou no fenômeno porto-riquenho Menudo, que tinha Ricky Martin entre seus integrantes. Abriu, então, a Promoart, empresa que administrava a carreira de músicos. Com o sucesso do Dominó, passou a investir em outros grupos e artistas, como Polegar, Banana Split (que tinha a apresentadora Eliana) e Conrado.

"Era tudo concebido por ele. O Gugu é um cara muito viajado, e ele não ficava só nos Estados Unidos e na Europa. Ele tinha muitas referências do que acontecia de sucesso no mundo todo e sempre teve esse olhar clínico para os negócios, então voltava cheio de ideias. Era um cara muito criativo. Chegava com a mala cheia de fitas cassete e sugeria versões de músicas. Em 90% dos casos estava certo [sobre o que faria sucesso]", conta Quintela, acrescentando que o apresentador se envolvia em todas as etapas do trabalho de seus artistas, do figurino à capa do disco.

Homem de família

Todo o mundo conhecia o showman Gugu Liberato, que dançava e cantava Pintinho Amarelinho, virou o dono da banheira mais famosa da TV brasileira e seguia os passos de Silvio Santos na TV. Mas pouca gente teve acesso à vida particular do apresentador. Afinal, quem era Antônio Augusto Liberato, conhecido pelos amigos de infância como Toninho?

Com uma atividade profissional intensa desde muito cedo, o apresentador e empresário, que começou aos 14 anos a trabalhar na TV, aprendeu a se blindar do assédio. Ele era discreto e se mantinha afastado de badalação ou de confusões que pudessem comprometer a sua imagem pública. Só com o tempo, começou a falar um pouco mais de sua vida particular.

Ele já abriu a sua casa na praia para Ana Hickmann, por exemplo, contou que seu filme de suspense favorito era O Iluminado e que gostava de pescar nos momentos de lazer. Mas era difícil ir mais a fundo do que isso. Não seria ir longe demais pensar que Gugu aprendeu a se blindar com Silvio Santos, o seu maior influenciador e pessoa que ele tinha como padrinho.

Mas com quem ele vivia? Quem era sua namorada? Gugu era gay? A discrição era tanta que o interesse público sempre foi gigante, causando especulações sobre sua intimidade. Assim, o apresentador descobriu uma "fonte oficial" para as notícias sobre a sua vida particular. "Gugu mostra pela primeira vez sua namorada", "Gugu é pai", "As gêmeas de Gugu", foram algumas das manchetes da revista Caras, que servia como uma vitrine daquilo que de fato ele permitia mostrar.

Gugu tinha verdadeira adoração pela família. Sempre fez questão de cuidar de todos e mantê-los perto, como seu porto seguro. A mãe, Maria do Céu, que o acompanhava inclusive nos programas de TV, completou recentemente 90 anos. O filho zeloso a mostrava em vídeos nas redes sociais e se declarava com mensagens afetivas.

Ele também era muito apegado ao pai, Augusto Claudino Liberato, que morreu há dez anos. "Era uma relação de respeito e amizade. Acho que foi a pessoa mais honesta do mundo que eu conheci. É a grande referência de honestidade na minha vida", afirmou o apresentador para Ana Hickmann no extinto Programa da Tarde, da Record.

Gugu herdou dos pais portugueses o apreço pela religião. Ele era católico praticante e, inclusive, foi batizado pelo padre Marcelo Rossi no rio Jordão, em 1998.

Era tão apegado aos pais quanto aos filhos. Gugu era presente na criação dos três adolescentes, que viviam com ele em Orlando, nos Estados Unidos. Ele havia comprado há poucos meses a casa, em um condomínio de luxo, onde se acidentou na quarta-feira.

No ano passado, celebrou a formatura das filhas gêmeas, Marina e Sofia, 15 anos. Em uma entrevista ao UOL, em 2015, falou sobre João Augusto, hoje com 18 anos, sobre a expectativa de que ele seguisse os seus passos. O garoto, na época, havia acabado de lançar um canal de culinária no YouTube.

"Fico surpreendido com algumas atitudes do João Augusto. Ele tem demonstrado muita criatividade e uma facilidade incomum de comunicação aos 13 anos. Mas digo sempre para meus filhos: 'Trabalhem em algo que lhes dê prazer'. Se for na TV, tudo bem. Se não for, tudo bem também."

É uma lição que Gugu ensinou, na prática, não só aos filhos, mas a todos que conviveram com ele. Trabalhar com prazer talvez tenha sido justamente o segredo de tanto sucesso e o que fez dele tão querido. Todas as emissoras abriram espaço em seus noticiários para falar da morte do apresentador. Inconformados, artistas se emocionaram na TV e nas redes sociais.

Mas quem melhor conseguiu expressar o valor que Gugu tinha para o Brasil foram justamente seus filhos. Com carinho e simplicidade, João Augusto e Sofia disseram o que o resto do país sentiu, mas não conseguiu expressar.

"Meu pai foi uma pessoa abençoada, era meu herói e inspirador. Ele tinha um coração muito puro, ajudava pessoas e sempre fazia questão de manter a família unida. Tenho certeza de que ele estará sempre conosco e em nossos corações", escreveu o jovem.

Sofia emendou: "Pai, meu parceiro, meu melhor amigo, partiu deixando um vazio no meu coração, mas uma luz no meu caminho. Muito obrigada por ser esse homem incrível, que me proporcionou momentos inesquecíveis e oportunidades que mudaram a minha vida. Te amo eternamente, pai".

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