Adrilles: Único sentimento sempre sincero no "BBB" é a raiva
Muito se fala da fábrica de afetos subintencionados no "BBB". Amores, amizades, afinidades são feitos, desfeitos e refeitos sob o sabor da desconfiança dada pelas conveniências do jogo. Um só sentimento, porém, é sempre sincero lá dentro: a raiva. Uma raiva – potencializada pela disputa – que nem sempre justifica ao certo suas razões e que se manifesta na sinceridade particular de quem esbraveja sua verdade. Prova de que a sinceridade nem sempre é algo virtuoso e pode revelar mais dos sentimentos competitivos confusamente agressivos de uma pessoa do que a verdade de uma realidade concreta.
Realidade movediça de uma antipatia visceral por Laércio é o sentimento de Ana Paula por ele, nascida da desconfiança da esquisitice do participante. Esquisitice não é crime, antes até uma virtude no "BBB", se bem trabalhada. Então vejamos: o senhor em questão diz ter sido alimentado por luz, vez por outra faz xixi fora do vaso e confessa uma queda por moças bem mais jovens que ele.
E encara as beldades da casa de maneira um tanto estrambótica, segundo alguns. Nada de essencialmente criminoso, talvez um tanto constrangedor. Mas o suficiente para alimentar a raiva desmedidamente desconfiada de Ana, que chegou a acusá-lo de pedófilo para depois se retratar, dizendo não saber ao certo o significado do termo. Por vezes também não sabemos o termo de origem da nossa raiva, ainda que supostamente justificada pela defesa de um bem comum e que pode reverberar numa acusação precipitada.
A língua é um instrumento várias vezes banalizado no "BBB" e no Brasil. A ofensa verbal é um instrumento banalizado no "BBB" e no Brasil, sobretudo nos meios virtuais, em que o desaforo grave é quase um esporte. Quase ninguém se preocupa muito em saber o teor das palavras que podem ofender ou caluniar. Por isso, a sinceridade que se escora na ignorância tem efeitos perversos.
Ignorância do que se diz, do que se sente, ignorância do cuidado com o outro. A sinceridade é uma suposta virtude que pode esconder as falhas, os "vícios virtuosos" de quem a usa. Se todos falassem de estalo o que pensam sobre todo mundo, todos se esfolariam vivos. Um certo comedimento é sempre necessário para conter apetites de momento, desejos espontâneos e ódios viscerais. Para manter uma certa ordem no "BBB" e a manutenção da civilização como um todo.
Existem basicamente dois tipos de inocência perversa dentro do "BBB", aparentemente opostas mas que se encaixam: a inocência da palavra doce, melíflua, politicamente correta que trai sua verdadeira intenção obscura; e a inocência da palavra dura, ofensiva, que se quer afirmação de uma verdade absoluta e incontestável
Ninguém sabe ao certo a natureza e a manifestação do suposto mal de que desconfia do próximo. Até porque ninguém sabe a natureza do mal enviesado que abriga dentro de si, às vezes inconscientemente disfarçado do desejo de justiça. É sempre necessária uma certa humildade no julgamento, sob pena de injustiça em nome da justiça.
Por exemplo, a marca de uma injustiça sofrida por alguém pode se tornar o elemento para esta pessoa querer fazer justiça pelo trauma a todo custo, por vezes injustiçando um inocente. Inocência maior e mais perigosa é a de acusação que grita por um justiçamento inclemente, sem o devido respeito dado a qualquer acusado. Todo julgamento é inescapável e necessário. Mas a forma de julgar, a falta de cuidado e respeito com o julgado também julgam o julgador.
Existem basicamente dois tipos de inocência perversa dentro do "BBB", aparentemente opostas mas que se encaixam: a inocência da palavra doce, melíflua, politicamente correta que trai sua verdadeira intenção obscura; e a inocência da palavra dura, ofensiva, que se quer afirmação de uma verdade absoluta e incontestável. Tentativa de verdade imposta de um que se esquece de olhar para a tentativa de verdade do outro.
*Adrilles Jorge é jornalista, escritor e ex-participante do "BBB15"
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