Adrilles: Ana Paula, o bode expiatório do "BBB" e de seu público
Há, em toda a história da mitologia e em especial na teologia cristã, uma figura simbólica que foi popularizada: ‘’o bode expiatório’. Um ser escolhido que carrega em seu sacrifício (por algo que em geral não cometeu) a culpa dos erros de uma coletividade, de um grupo, de uma sociedade.
O ‘’bode’’ serviria para unir as pessoas – após a morte dele - em torno do reconhecimento coletivo dos erros da sociedade, através da tragédia de um único ser sacrificado - em nome de todos - que pode ser mais ou menos inocente.
Ana Paula, recém-eliminada do "BBB16", é este bode moderníssimo que foi a cara e a alma do programa e do telespectador que o assiste. Sua quase inocência é a dos ditos pecados e erros que não necessariamente sabe ter cometido. Sua luta era quixotesca e se dava contra o que ela percebia como mediocridade, falsidade e ''mal'' num terreno duvidoso em que não há percepção clara de certo ou errado.
Por não haver hoje limites e definições de certo ou errado na nossa sociedade, o pessoal se identificou com Ana em sua aparente certeza carismática que derrubava o fruto de suas neuroses (as dela e as coletivas de quem a assistia) com palavras e atos concretos contra as ilusões e esboços de certeza que a moça tinha, sem pestanejar.
Esboço de certeza até certo ponto. Porque Ana Paula também tinha suas epifanias de percepção total da realidade turva que ela se criava e em que estava metida. Em certo momento, Ana Paula chegou a dizer que criava inimigos imaginários para estabelecer uma estrutura de jogo. Talvez tenha sido a frase mais profunda e emblemática da história do programa. A criação de um mal invisível por vezes gera um mal concreto: o de criticar e crucificar as pessoas antes de qualquer julgamento. A crucificação precipitada serve tanto para os inimigos criados de Ana, quanto para ela mesma, por quem se criava um conflito, na ausência de percepção de um conflito concreto.
E se grande parte do público amava as contradições e neuroses coletivas resolvidas pelo carisma pró-ativo de Ana - que não deixava espaço para a dúvida de sua ação - outra parte deste mesmo público a odiava pelas mesmas razões. A odiava por perceber inconscientemente que SE odiava também. As pessoas chegam a se contestar e a se detestar quando não tomam uma decisão sobre algo que por vezes é fluído na percepção delas. E hoje em dia vivemos em uma modernidade fluída, líquida, sem muitos laços de sentido e de afeto concretizados. Ana tomava estas decisões neste terreno fluído de microcosmo social que é o "BBB". De maneira honesta e - fatalmente - por várias vezes honestamente equivocada.
E Ana Paula por fim pagou por seus erros. E, como bode expiatório, pagou pelos erros de todos na casa que hipocritamente encasulam seu caráter duvidoso em suspeita maturidade. Pagou pelos erros do público, que ama odiar e se projetar no caráter oculto de seus ‘’pecados’’, no julgamento precipitado do primeiro ser humano falho que veem, assim como Ana chegou também a a fazer.
Alguém tem que morrer para que outros vivam. O bode expiatório. A morte de Ana servirá para que o público e a casa do "BBB" vivam de maneira mais madura e autoconsciente? Seu sacrifício terá um sentido? Ou terá sido em vão? Resta às pessoas de dentro e fora do "BBB" fazer estas perguntas e fazer por merecer algum tipo de ressurreição em vida.
*Adrilles Jorge é jornalista, escritor e ex-participante do "BBB15"
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