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Gleici começou a trabalhar aos 12 e fez vaquinha para ir à seletiva do BBB

Maria Luiza, Vanuzia e Agleuson em frente à casa da família - Fábio Pontes/UOL
Maria Luiza, Vanuzia e Agleuson em frente à casa da família Imagem: Fábio Pontes/UOL

Fábio Pontes

Colaboração para o UOL, de Rio Branco

15/03/2018 04h00

Favorita ao prêmio de R$ 1,5 milhão, ela lidera com cerca de 40% a enquete do UOL sobre quem deve ganhar o "BBB18", Gleici Damasceno, 22, leva uma vida bem diferente da que desfruta agora na "casa mais vigiada do país".

Aqui fora, a estudante é moradora da periferia de Rio Branco, capital do Acre. A casa que divide com os dois irmãos e a mãe fica no bairro Boa União. Conhecida como Baixada da Sobral, a região tem a maior concentração populacional da cidade e também é apontada como uma das mais violentas. Nos muros, há pichações com as iniciais de facções criminosas, delimitando seus territórios. As ruas têm muitos buracos, outras são de terra batida, e há esgoto a céu aberto.

O pequeno imóvel de alvenaria não tem acabamento por fora e é protegido apenas por uma cerca de madeira. Uma corrente com cadeado garante a segurança. O quintal é grande, com um coqueiro e a grama bem aparada.

A mãe, Vanuzia Damasceno, 39, criou os três filhos sozinha. Nona filha de uma família com 13 irmãos, Vanuzia viveu na zona rural até os seis anos de idade, quando a família se mudou para a cidade, próximo a onde ela reside atualmente.

Vanuzia Damasceno, mãe de Gleici do "BBB18" - Fábio Pontes/UOL - Fábio Pontes/UOL
Vanuzia Damasceno, mãe de Gleici do "BBB18"
Imagem: Fábio Pontes/UOL

Casamento na adolescência

Em meio à vulnerabilidade da miséria, Vanuzia se casou com apenas 14 anos. Ela conta que via no casamento uma forma de viver com menos sofrimento, comparada a situação de estar numa família grande e com sérias dificuldades.

O marido, pai de Gleici e dos irmãos, trabalhava em fazendas, o que a fez retornar ao campo. Aos 15, Vanuzia teve o primeiro filho, Agleuson, hoje com 24 anos. Dois anos depois, nasceu Gleici. A caçula é Maria Luzia, 19.

Vanuzia não teve um casamento muito feliz. Sofria constantes agressões e acabou se separando. De volta para a cidade, ela foi morar com os filhos num pequeno quarto no quintal de uma tia. O ex-marido acabou sendo assassinado há cerca de três anos. Apesar de afastada, Gleici sofreu com a perda repentina.

Graças ao trabalho como empregada doméstica, ela sustentou a família e conseguiu construir o próprio quarto, nos fundos do terreno da casa da mãe. “Era um quarto que cabia mal a cama e uma geladeira”, recorda Vanuzia.

“Nunca tive a oportunidade de estudar quando era criança. Passei a estudar depois que já tive os meninos.” O tempo era dedicado a não deixar faltar o básico em casa, às vezes, com mais de um emprego.

“Trabalhava durante o dia e a noite. Saía de casa quatro horas da madrugada”, lembra. “Não tinha tempo nenhum de cuidar deles [os filhos].”

Ela foi contratada para trabalhar no gabinete de uma vereadora da cidade, sua ex-patroa, em retribuição por ter sido ativa como cabo eleitoral na campanha. Com a experiência, ela se candidatou à vereadora em 2016, ganhou o apoio de Gleici, que escreveu no Facebook: "Mulher forte e guerreira", mas não foi eleita.

O salário recebido na Câmara dos Vereadores, de cerca de R$ 2.000, foi fundamental para a família sair do aluguel. Para complementar a renda fazia faxinas à noite numa UPA (Unidade de Pronto Atendimento). 

Com a saúde debilitada, Vanuzia não pode comparecer ao paredão surpresa da filha. Ela teve câncer no útero, já está curada, mas algumas vezes tem recaídas por conta de baixa imunidade.

Gleici e o ex-presidente Lula - Reprodução Facebook - Reprodução Facebook
Gleici e o ex-presidente Lula
Imagem: Reprodução Facebook

Emprego aos 12

Gleici seguiu os passos da mãe e desde cedo começou a trabalhar. Aos 12, foi ser babá na casa de uma das filhas da ex-patroa de Vanuzia. Cuidava do bebê até as 11h, voltava para a casa e ia para a escola. Pelo serviço ganhava R$ 100. Foi ainda na adolescência que Gleici deu os primeiros passos na política.

Participou do movimento estudantil e da associação de moradores do bairro. Gleici é filiada ao PT, partido que domina a política acreana há duas décadas.

Na executiva municipal do partido, ela ocupa o cargo de secretária de movimentos populares. Antes de ir para o "BBB", tinha emprego na assessoria de juventude do governo do Estado, do qual foi exonerada.

A militância, aliás, foi motivo de polêmica. Uma foto dela com o ex-presidente Lula foi usada como forma de desgastar sua imagem.

A mesma foto enfeita a pequena sala da casa da família, em um porta-retrato sobre o rack, onde também está a televisão, que agora fica ligada no "pay-per-view" do programa. Um vizinho fez um “puxadinho” do seu pacote de TV paga para que Vanuzia e os irmãos de Gleici assistissem ao "BBB" 24 horas.

“A gente não tinha TV por assinatura, era só a aberta”, conta Agleuson. A casa não tem internet. Após Gleici ser selecionada, a produção do programa até tentou instalar câmeras no imóvel para fazer as transmissões ao vivo nos dias decisivos do jogo.

Não deu certo. A solução foi levar os equipamentos para a casa de um parente numa outra região da cidade, para onde se mudam quando é preciso a participação da mãe de Gleici.

No Raio-x, Gleici fala sobre o clima da casa - Reprodução/GloboPlay - Reprodução/GloboPlay
Gleici
Imagem: Reprodução/GloboPlay

"A mesma pessoa"

Perguntada sobre o que espera acontecer após a fama da filha, Vanuzia dá uma resposta bastante humilde. “Não quero mudar muita coisa. A única coisa que me assusta um pouco é isso: ter que mudar de lugar, mudar a minha vida. Eu não quero mudar de lugar. Quero levar a minha vida do mesmo jeito. Eu não vou falar por ela, mas acredito que ela continuará a ser a mesma pessoa”, diz.

A ida de Gleici para o "BBB" foi uma surpresa para a própria mãe, que só soube quando recebeu em seu celular ligações dos produtores do programa perguntando por Gleici. “Ela nunca me falou que queria se inscrever, que tinha vontade de se inscrever. Essa foi a segunda vez que ela se inscreveu.”

Participar das seletivas foi o teste inicial. A primeira fase da seleção ocorreu em Porto Velho, capital de Rondônia, distante 520 km de Rio Branco.

Os custos da viagem tinham que ser bancados por ela própria. Mas faltava a grana. Após pedir a ajuda dos amigos numa “vaquinha”, comprou a passagem de ônibus - só de ida. O preço médio do bilhete é R$ 80. 

Alguns dias depois, voltaram a ligar informando que ela tinha passado para a segunda fase, desta vez no Rio de Janeiro, com todas as despesas pagas.

"Sempre assisti ao Big Brother. Nunca imaginei que isso fosse acontecer com a gente. Hoje eu vejo a minha filha ali dentro com o comportamento totalmente digno dela, sendo ela mesmo, verdadeira, sendo honesta”, fala, sem esconder o orgulho.

Vanuzia ainda cita outro traço da personalidade da filha: a personalidade forte. “A Gleici sempre teve a cabeça dela no lugar. Ela sempre foi uma menina muito consciente daquilo que ela queria.”

Antes de ir para o "BBB", a sua renda era a principal da família, ela ajudava nas despesas e fazia a feira do mês. Estudante de psicologia numa universidade privada de Rio Branco, ela é beneficiada pelo Financiamento Estudantil, o Fies. 

Birra de Patrícia

Perguntada sobre a polêmica de Gleici com a recém-eliminada Patrícia, Vanuzia diz não compreender a antipatia da cearense com a filha. Para ela, o desentendimento pode ser fruto da pressão psicológica à qual os participantes são submetidos.

“Ali dentro é muito tenso pelo o que eles passam, e eu acredito que a Patrícia pegou uma birra com ela sem motivo. A Gleici nunca fez nada para a Patrícia ‘birrar’ com ela, mas ela ‘birrou’ com a Gleici. Fico apreensiva com isso até porque a minha filha não é muito de confusão e tem horas que ela fica nervosa com isso”, diz a mãe da BBB.