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O carioca e a “cultura de congestionamento” paulistana

Mauricio Stycer

24/09/2010 10h25

Nascido em dezembro de 1940, Arnaldo Jabor viveu a infância num Rio de Janeiro de sonho – alegre, bonito, tranquilo, musical. No filme em que se recorda desta cidade, "Suprema Felicidade", há uma única cena que destoa do clima de paz, quando o alter-ego do cineasta, o garoto Paulinho, passeando com o avô, vê um corpo estendido no chão com marcas de violência.

Não vivi o tempo de "Suprema Felicidade" – um Rio em que os pedestres andavam no meio da rua, havia pouquíssimos carros e nenhum perigo. Entre os anos 60 e 80, conheci uma cidade ainda muito agradável de morar, mas começando a enfrentar os graves problemas que se tornariam parte do seu DNA, em especial, o caos imobiliário e urbano e a violência.

Desde que me mudei para São Paulo, na segunda metade da década de 80, tenho voltado ao Rio com muita frequência, mas quase sempre para visitas rápidas e basicamente nos finais de semana. Este ano, porém, em diferentes ocasiões, passei vários diais úteis na cidade – e me dei conta que o carioca incorporou à rotina uma preocupação que eu não tinha na minha época: a situação do trânsito.

Drama paulistano já há décadas, a cultura do congestionamento produz tiques e cacoetes facilmente reconhecíveis. O mais notável são as conversas sobre este assunto em situações de trabalho ou lazer. Igualmente comum é a preocupação de acompanhar boletins de rádio e tevê sobre a situação. Muita gente também desenvolve o gosto e o prazer pela descoberta de caminhos alternativos, que ajudam a amenizar o tempo perdido dentro do carro.

Pois para mim tem sido uma novidade perceber como o carioca incorporou esta "cultura" ao seu cotidiano. As pessoas que tenho encontrado na cidade falam como paulistanos, calculando o tempo que vão demorar a chegar em determinado lugar em função do horário, relatam histórias de congestionamentos como quem conta detalhes de uma viagem à Europa e trocam dicas preciosas sobre como fugir do caos.

Não sei se o Rio de Janeiro deste início do século 21 vive uma "renascença cultural", como disse Jabor na abertura do festival, mas continua lindo e muito agradável. Pena que, como em São Paulo, perca-se cada vez mais tempo para se movimentar pela cidade.

Em tempo: escrevi no UOL Cinema o texto Jabor e festival celebram um Rio que só existe em sonhos.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.