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Baixo nível da TV é problema há 50 anos, mostra livro

Mauricio Stycer

05/10/2010 13h32

A história da televisão no Brasil é também uma história sobre o sensacionalismo, a apelação e o mau gosto. Ao avaliar as transformações ocorridas ao longo dos seus 60 anos, um estudo recém-publicado mostra que a baixaria só não foi um problema na primeira década de vida da nova mídia.

Superados os anos 50, um período de muita improvisação e elitismo, e iniciado o processo de popularização, a partir da década de 60, a televisão brasileira confronta-se periodicamente com ondas de programas popularescos e apelativos, que fluem ao sabor da disputa por audiência e refluem em função da repressão do Estado ou das críticas da imprensa e da sociedade.

É um fenômeno interessante, captado de diferentes maneiras, em seis dos 15 textos que compõem "História da Televisão no Brasil" (Contexto, 350 págs., R$ 49,90), organizado por Ana Paula Goulart Ribeiro, Igor Sacramento e Marco Roxo.

Como mostra o sociólogo Alexandre Bergamo, ao estudar a "reconfiguração do público", ocorrida na década de 60, a organização dos programas dentro de uma grade, ajustados à rotina de trabalho e lazer dos diferentes integrantes de uma casa, sinaliza que o alvo da TV, por excelência, é a família.

Ao mesmo tempo, pressionada por interesses comerciais, da publicidade, a noção de público rapidamente se converte em "índice de audiência". É o fio que estica a corda da programação e move as emissoras em direção ao que tem mais apelo.

Tanto na área de shows quanto no jornalismo, mostra o livro, o baixo nível corre em paralelo ao processo de popularização da tevê, ao longo dos anos 60. Programas de auditório apelativos e noticiários que exploram o mundo-cão proliferam na programação de todas as emissoras.

A Globo, fundada em 1965, corre atrás da concorrência ao colocar em sua grade, nos primeiros anos de vida, programas como "O Homem do Sapato Branco", apresentado por Jacinto Figueira (acima), ou "004 Longras", com Raul Longras. Dercy Gonçalves e Chacrinha (ao lado)  lideram programas de auditório, ao vivo, que deixam a classe média de cabelo em pé.

Em 1971, depois que uma mãe de santo recebeu, ao vivo, um espírito masculino na "Buzina do Chacrinha", na Globo e, em seguida, no "Programa Flavio Cavalcanti" (dir.), na Tupi, o governo militar entrou em cena, levando as duas emissoras a assinarem um protocolo de conduta com severas restrições à própria programação.

Se aplicado hoje, este protocolo tiraria do ar metade dos programas exibidos na televisão brasileira. Tupi e Globo se comprometeram em 1971 a não "mostrar portadores de deformações físicas ou mentais", "explorar a crendice", "apresentar de forma sensacionalista temas de ordem científica", explorar "a desgraça, a degradação e a tragédia humanas".

A pressão da sociedade e, especialmente, do mercado anunciante funcionam como um freio a certas ondas de sensacionalismo na televisão. Um caso exemplar é o do SBT, de Silvio Santos, analisado por Maria Celeste Mira. A pesquisadora mostra como o dublê de empresário e apresentador, apesar do sucesso de audiência dos programas que sua emissora exibia, se viu obrigado na década de 80 a "modernizar", ou seja, a tornar menos apelativa, a programação para atrair anúncios.

Na década de 90, aponta Mira, há uma nova onda de programas "popularescos", tanto na área de shows quanto no jornalismo, puxada pelo "Aqui Agora", uma espécie de remake de outro clássico da baixaria, "O Povo na TV". É nesta década que Ratinho (à esq.) se consagra e descobre-se que quase 40% do seu público é formado por crianças, adolescentes e universitários.

A resposta da Globo a esta nova onda, aponta o pesquisador Kleber Mendonça, foi o "Linha Direta", lançado em 1999, que acrescenta um novo elemento ao mix de investigação jornalística e sensacionalismo que compõem o cardápio deste tipo de programa: a interatividade.

Na visão de Mendonça, "Linha Direta" (ao lado) alarga o conceito de "padrão Globo de qualidade" e é uma resposta da emissora à perda de espaço para a concorrência, especialmente o programa de Ratinho.

Já Maria Celeste Mira observa que a ideia de interatividade abre espaço para toda uma linha de programas destinados a colocar o espectador no papel de juiz – os "reality shows". "Sob novas fórmulas, os programas 'popularescos' reaparecem", escreve.

A leitura de "História da Televisão no Brasil" é, de certa forma, desanimadora. Mostra, como nota a pesquisadora, que "nada do que se fazia há cinquenta anos era assim tão diferente do que há hoje na televisão aberta e em alguns canais pagos".

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.