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Debates eleitorais se tornam um suplício

Mauricio Stycer

26/10/2010 10h45

Compareci a sete dos nove debates presidenciais realizados, até o momento, nesta campanha. Um décimo ainda está programado, para sexta-feira, na Rede Globo. Além de cansativa e tediosa, a experiência se tornou um suplício com o andar da carruagem.

Desde meados da década de 80, quando o Brasil começou a consumir esta novidade importada, o debate eleitoral na televisão se tornou um fetiche. Credita-se em parte a um vacilo de Fernando Henrique, quando indagado se acreditava em Deus, sua derrota para Jânio Quadros na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 1985. Também se credita ao desempenho ruim de Lula e a uma edição claramente enviesada, no dia seguinte, a derrota do petista para Collor na eleição presidencial de 1989.

Com base nestas primeiras experiências brasileiras, creio, Otavio Frias Filho, diretor de redação da "Folha", disse uma vez que "debates eleitorais se baseiam numa fantasia da razão: a de que governa melhor aquele que discute melhor" (a frase está incluída no livro "O Brasil em Mil Frases", Publifolha, 1996).

Esta crença ainda parece orientar os debates nos dias de hoje, mas com um agravante: o esforço dos marqueteiros em controlar o script, antes imprevisível, dos acontecimentos. A maneira mais segura de fazer isso é evitando perguntas indesejadas de jornalistas. Desta forma, consegue-se programar não apenas o que os candidatos vão dizer, mas também o que vão ouvir.

Ao final do debate da Record, na noite de segunda-feira, escrevi o texto abaixo, publicado no início da madrugada no UOL Eleições, no qual falo da minha frustração com o encontro entre Dilma e Serra:

Sem mediação, debate vira cenário para gravação de programa eleitoral

Por exigência das assessorias de Dilma e Serra, o penúltimo debate antes da eleição presidencial, na Rede Record, não contou com questionamentos de jornalistas. Apenas os candidatos fizeram perguntas. Como se viu, é o pior dos mundos. Sem diálogo, nem contraditório, o encontro tornou-se um espaço para monólogos claramente destinados a aparecer na propaganda eleitoral nos próximos dias.

Um candidato pergunta sobre um assunto, o outro responde sobre o que bem quer. O que já havia ocorrido em outros encontros, tornou-se regra neste debate. Quem assiste tem a impressão que está vendo um diálogo de surdos. Na verdade, é uma estratégia.

Sai-se melhor nesta situação o candidato que se expressar de forma mais clara sobre o assunto que escolheu para falar. Na propaganda eleitoral, o espectador não vai perceber que a resposta de Serra sobre Erenice Guerra ocorreu em resposta a uma questão sobre banda larga, nem que Dilma está falando sobre Paulo Preto em resposta a uma pergunta sobre a Petrobras.

Mais nervosa, Dilma saiu-se pior na tarefa de produzir boas tiradas para o seu programa. Serra estava mais tranquilo, aparentemente, e chegou a ser irônico em algumas situações.O tucano não gaguejou nem cometeu deslizes verbais como a petista.

No modelo de debate sem participação de jornalistas, o papel do mediador se limita a informar o tempo que cada candidato dispõe para responder e replicar. Um papel tão pouco importante que Celso Freitas chegou a deixar o seu púlpito enquanto Dilma respondia para tentar resolver um problema técnico e ninguém notou.

Seria interessante que a lição desta série de debates de 2010 servisse de reflexão para as próximas eleições. Debate, propriamente, quase não houve. Ao espectador, pelo menos, tiveram pouca serventia.

Foto: Alex Almeida/UOL

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.