Topo

Filme pinta criador do Facebook como gênio do mal

Mauricio Stycer

04/12/2010 10h18


"A Rede Social", como se sabe, trata da criação do Facebook e das duas disputas judiciais que Mark Zuckerberg, seu idealizador, enfrentou. Uma foi promovida pelo brasileiro Eduardo Saverin, seu primeiro sócio, e a outra por Divya Narendra e os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss, que o acusam de ter roubado a ideia deles.

O filme é narrado na contraposição de dois tempos – nos dormitórios e bares da Universidade Harvard, em 2004, quando os estudantes, todos no final da adolescência, se conheceram; e nas audiências judiciais, realizadas poucos anos depois.

Apesar do elenco inexpressivo, o filme conta com três nomes de peso nos bastidores. É dirigido pelo competente David Fincher ("Alien 3", "O Clube da Luta", "Seven", "Zodíaco", "Benjamin Button"), com roteiro de Aaron Sorkin (criador da série de TV "The West Wing"), baseado no best-seller "Bilionários por Acaso", de Ben Mezrich.

Para alguns críticos entusiasmados, ao reconstituir a saga da criação do Facebook, Fincher realizou, na verdade, o filme que define uma nova elite americana. Ela seria formada por esses jovens geniais, de origem étnica e classe sociais variadas, pouco afeitos a hierarquias e regras estabelecidas, unidos pelo talento de criar e desenvolver produtos inovadores para a Internet.

Entende-se o fascínio que o filme está despertando. O Facebook contabiliza 500 milhões de contas ao redor do mundo. É um fenômeno tão grande, ocorrido de forma tão rápida, que transformou Zuckerberg no mais jovem bilionário da história – um ícone da estirpe de Steve Jobs ou Bill Gates, com a diferença que é 30 anos mais moço. Trinta.

O livro que deu origem ao filme se baseia em depoimentos, em particular de Eduardo Saverin, uma figura misteriosa. Sabe-se pouco sobre este brasileiro de origem judaica, nascido em São Paulo, criado no exterior, que deu o apoio financeiro fundamental para a criação do Facebook.

No filme, ele expõe o desejo de ser aceito pela elite de Harvard e sugere que o fato de ter sido bem-sucedido causou inveja a Zuckerberg, o filho de um dentista judeu de Nova York, que mostra nítidas dificuldades de relacionar-se socialmente.

Os irmãos Winklevoss (no filme, vividos por um ator só, Armie Hammer, à dir.) representam a velha elite americana. São brancos, ricos e bem educados. Os problemas do cotidiano têm para eles sempre menos importância que o esporte, que os enobrece e é a prioridade de suas vidas (eles são remadores e chegaram a competir nos Jogos Olímpicos de Pequim).

Já Zuckerberg é um nerd insensível, machista, mau caráter, ressentido, inescrupuloso e arrogante – além de hacker e programador genial. Depois de brigar com a namorada, escreve no blog barbaridades sobre ela e inventa um site de cunho sexista para eleger as mulheres "mais quentes" de Harvard. Ouve a proposta de site dos irmãos Winklevoss, compromete-se a desenvolver o projeto, mas cria o seu próprio, batizado inicialmente como The Facebook. Trama contra o melhor amigo (Saverin) e se faz de sonso quando ele é enrolado pelos advogados da empresa.

É sabido que Zuckerberg perdeu as duas ações judiciais. Foi obrigado a indenizar Narendra e os irmãos Winklevoss em US$ 65 milhões (eles querem mais) e devolver a Saverin não apenas as ações da empresa (5%) que ele havia perdido numa manobra espúria como recolocar seu nome como cofundador do Facebook.

Também é notório que as ações judiciais expuseram a intimidade de Zuckerberg, como a mensagem que trocou com um amigo da faculdade. "Então, se você algum dia precisar de informação sobre qualquer pessoa em Harvard basta pedir. Tenho mais de 4 mil e-mails, fotos, endereços, sms…" Ao que o amigo, espantado, perguntou: "Como? Como você conseguiu isso?" E o jovem Zuckerberg respondeu: "As pessoas simplesmente me mandaram. Eu não sei por quê. Elas confiam em mim. Idiotas".

Zuckerberg não colaborou com o livro de Mezrich e, muito menos, com o filme. Diz que "A Rede Social" é "ficção". O criador do Facebook dá raríssimas entrevistas e, embora tenha se tornado bilionário graças à exposição da vida privada de milhões de pessoas, não gosta de expor a sua.

"A Rede Social" produz um grande incômodo por esta razão. Conta uma história real, baseada em alguns fatos sabidos, mas interpretados de forma unilateral, apenas pelo olhar daqueles que se tornaram inimigos do protagonista.

Uma espécie de "outro lado" que falta ao filme pode ser lido no perfil de Zuckerberg publicado pela revista "New Yorker" em setembro. Segundo ele, a ideia do site dos irmãos baseava-se em "namoro" e a do seu em "relacionamento social". O criador do Facebook confirma as mensagens que foram divulgadas com seu nome e se diz arrependido. Ele confessa que era muito imaturo na época (tinha 19 anos). "Acho que cresci e aprendi muito", diz hoje.

"A Rede Social" é, enfim, um filme muito bem feito e bem construído, mas incapaz de apresentar um retrato crível do seu personagem principal. Zuckerberg está longe de ser um super-herói, mas não pode ser apenas o gênio do mal no qual o filme o transformou. Como retrato de uma geração, reproduz uma imagem excessivamente simplificada e estereotipada, que também não me convence.

Em tempo: mais informações sobre o filme, trailer e fotos podem ser vistos aqui. Uma entrevista exclusiva com Jesse Eisenberg, o ator que interpreta Zuckerberg, pode ser lida aqui. E, em seu blog, José Geraldo Couto escreve sobre o "fastio moral" que filmes baseados em "fatos reais" lhe causam.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.