O suicídio da atriz e as ofensas do deputado: duas vezes sensacionalismo
Mauricio Stycer
29/03/2011 16h50
Pouco antes de morrer, ao cair pela janela do sétimo andar do prédio onde morava, a atriz Cibele Dorsa enviou à revista "Caras" um longo bilhete de despedida. No texto, ela pede perdão aos filhos pelo gesto, critica o ex-marido, Álvaro Affonso de Miranda Neto, o Doda, por ter levado as crianças para o exterior e fala da solidão que sentia desde que perdeu o noivo, Gilberto Scarpa, morto no final de janeiro de forma idêntica a ela.
Horas depois da morte da atriz, no sábado, 26, o site da revista "Caras" começou a publicar o bilhete de despedida que ela enviou. "EXCLUSIVO: Cibele Dorsa deixa carta antes de morrer", estampou a revista. O texto foi dividido em vários trechos, como se fossem capítulos, publicados de tempos em tempos ao longo da tarde. Na segunda-feira, a Justiça determinou, atendendo a pedido de Doda, que todas as referências a ele fossem retiradas do site e da revista.
A mídia brasileira, de um modo geral, noticia com muito comedimento suicídios. O temor de que o suicídio possa ocorrer por imitação, uma tese levantada ainda no século 19, orienta a discrição dos principais veículos de comunicação.
Suicídio só é notícia mesmo quando envolve figuras públicas. Ainda assim, creio, a revista "Caras" agiu de forma sensacionalista, sem nenhum cuidado ao publicar os principais trechos da carta de Cibele Dorsa. Faltou editar, contextualizar a noticia e ouvir as pessoas envolvidas, além de pesar os danos que esta publicação poderia causar aos filhos da atriz.
A entrevista do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) ao "CQC", da Band, envolve problemas de outra natureza. Num quadro previamente gravado, como todos do programa, o político respondeu a provocações de diferentes espectadores. Foi uma oportunidade para repetir suas notórias posições conservadoras, com traços de homofobia e de nostalgia da ditadura militar que dirigiu o país entre 1964 e 1985.
No momento mais forte, foi questionado pela cantora Preta Gil sobre qual seria a sua reação se um filho seu namorasse uma mulher negra. "Ô Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como, lamentavelmente, é o teu", respondeu.
Antes de exibir a entrevista, Marcelo Tas apresentou Bolsonaro como "o deputado mais polêmico do Brasil". Ao final, disse: "Eu prefiro acreditar que o Bolsonaro não entendeu a pergunta da nossa querida Preta Gil".
O "CQC" tem o direito de entrevistar quem quiser e o deputado pode falar o que bem entender. A Justiça está aí para avaliar se ele cometeu algum crime, ou não. O que me espanta é o programa ter levado ao ar uma resposta tão grosseira havendo dúvidas, como manifestou Tas, que Bolsonaro pode ter entendido errado a pergunta.
Se é verdade isso, o trecho da entrevista não deveria ter sido exibido sem que o deputado fosse consultado antes. Também caracteriza sensacionalismo.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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