Topo

Um cartola de Trinidad e Tobago brilha no “Jogo Sujo” do futebol

Mauricio Stycer

25/04/2011 12h26

Trinidad e Tobago é um pequeno país da América Central, formado por duas ilhas principais, com população de 1,3 milhão de habitantes. Por conta da longa colonização britânica, só encerrada em 1962, o cricket é até hoje um dos esportes mais populares no arquipélago. O corredor Ato Boldon, com quatro medalhas olímpicas (uma prata e três bronzes, nos 100 e 200 metros), é o maior herói esportivo do país.

Em matéria de futebol, Trinidad e Tobago tem pouco a contar. Até hoje, disputou uma única Copa do Mundo, em 2006, na Alemanha. Não passou da primeira fase, depois de empatar com a Suécia (0 a 0) e perder da Inglaterra (2 a 0) e do Paraguai (2 a 0). Atualmente ocupa o 94º no ranking da Fifa, entre 202 seleções.

É de Trinidad e Tobago, no entanto, que vem um dos mais famosos cartolas do futebol mundial, Jack Warner. Hoje com 68 anos, ele é ministro dos Transportes e membro do Parlamento do país. É também dono de um time de futebol, o Joe Public, entre outros negócios.

Warner começou sua carreira como cartola ainda na década de 60, subindo rapidamente posições na hierarquia do futebol local. Em 1990, tornou-se presidente da Concacaf (a confederação que dirige o futebol nas Américas Central e do Norte), cargo que ocupa até hoje, e em 1997 virou vice-presidente da Fifa.

Warner não é o peixe mais graúdo, mas certamente é o mais vistoso do recém-lançado "Jogo Sujo – O mundo secreto da Fifa: compra de votos e escândalo de ingressos". O livro reúne anos de investigações do repórter Andrew Jennings, atualmente banido das entrevistas coletivas da entidade.

É um relato impressionante sobre os milionários negócios da Fifa, realizados sem transparência alguma, acusações variadas, desde pagamentos de propina a desvio de dinheiro, passando por tráfico de influência, concorrências viciadas, e o que mais o leitor imaginar.

Jennings não exibe documentos para provar tudo que diz, mas vários deles passaram por suas mãos e ele ouviu relatos de arrepiar sobre como a cúpula da Fifa, desde João Havelange, tem gerido o futebol mundial.

Sepp Blatter, o atual presidente, no poder desde 1998, é o personagem principal do enredo, que tem coadjuvantes bem conhecidos, como Ricardo Teixeira, o presidente da CBF, e Julio Grondona, presidente da Federação Argentina desde 1979, ambos com cargos na Fifa.

Mas é Jack Warner quem melhor simboliza a transformação do futebol mundial numa usina de dinheiro e negócios suspeitos. As referências a ele em "Jogo Sujo" (Panda Books, 352 págs., R$ 49,90) são as mais impressionantes.

Nas eliminatórias da Copa de 1990, Warner, então ainda um cartola local, foi acusado de mandar imprimir ingressos para lugares que não existiam no estádio que abrigou um jogo da seleção local contra os Estados Unidos.

Como diretor da Fifa, ele conseguiu que a entidade destinasse recursos para a construção de um centro de formação esportiva pouco utilizado.

Sócio em uma empresa de turismo, ele comercializou pacotes para as Copas de 2002 e 2006 que incluíam ingressos, vendidos a preços superfaturados. Empresas da sua família administraram também recursos alocados para a realização do Mundial Sub-17, em Trinidad e Tobago, em 2001.

Os jogadores da seleção que disputaram a Copa de 2006 processaram o cartola por considerar que a remuneração que receberam foi ínfima diante do que a federação faturou com o evento.

Jennings mostra no livro como a Fifa protegeu Warner em todas as situações. O caso mais escandaloso, o da comercialização de ingressos na Copa de 2006, mereceu punição branda da entidade. Num dos encontros com o jornalista, filmado por uma equipe de TV, Warner o xingou e agrediu.

Na guerra que se travou pela indicação da África do Sul como sede da Copa do Mundo, Nelson Mandela se viu obrigado por Warner a uma visita a Trinidad e Tobago em troca de apoio da Concacaf a seu pleito. Fragilizado por problemas de saúde, foi uma de suas últimas viagens internacionais.

Como eu disse, Warner é um personagem secundário, aparentemente folclórico no enredo revelado por Jennings, mas as "marcas de batom" que deixou no seu caminho como cartola do futebol mundial ajudam a visualizar melhor o "jogo sujo" narrado pelo jornalista inglês.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.