Em defesa do humor sem limites
Ao pedir desculpas, há 20 dias, pela exibição de um quadro de humor apresentado por Marcelo Adnet, a MTV observou que "a esquete 'Casa dos autistas' ultrapassou limites aceitáveis do humor".
Por discordar do tom desta nota da emissora, escrevi no blog: "Isso significa que autistas não podem ser alvos do humor? Não creio. Do ponto de vista do público, existem basicamente dois tipos de piada, a boa e a ruim. Tanto uma quanto a outra podem provocar incômodo."
Muitos pais de crianças autistas comentaram este post. Sentiram-se ofendidos tanto pelo quadro da MTV como pela minha observação. Depois disso, houve outros dois casos rumorosos de piadas consideradas ofensivas.
Primeiro, Rafinha Bastos, do CQC, comentou numa revista: "Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade." Depois, Danilo Gentili, do mesmo programa, escreveu no Twitter: "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz".
Sigo defendendo a ideia de que não deve haver limites para o humor. Isso não significa ouvir barbaridades sem protestar. Sugiro abaixo um decálogo a respeito:
Como reagir a uma piada incômoda, de mau gosto, ofensiva?
1. Tapar os ouvidos.
2. Se a piada tiver sido dita no rádio ou na TV: mudar de estação ou desligar o aparelho.
3. Dita no palco de um teatro: levantar da poltrona, sair e pedir o dinheiro do ingresso de volta.
4. Lida num jornal, revista ou site: mudar de página.
5. Escrita num livro: não compre. Se já tiver comprado, devolva o livro.
6. Mandar uma carta ao veículo de comunicação que abrigou a piada ofensiva, expondo os motivos do seu descontentamento e, se for o caso, ameaçar nunca mais ouvir, ver ou ler quem abrigar piadas deste tipo.
7. Organizar um abaixo-assinado, de maneira a aferir quantas pessoas, como você, se sentiram ofendidas pela piada ruim, e enviar ao veículo de comunicação que deu abrigo a ela.
8. Repetir o procedimento dos pontos 6 e 7, mas dirigir suas reclamações às empresas que patrocinam o humorista que te ofendeu e/ou o veículo de comunicação que abriga as suas piadas.
9. Procurar um advogado ou o Ministério Público para avaliar se a piada ruim constitui crime de algum tipo e, se for o caso, ingressar com uma ação contra o autor da ofensa.
10. Batalhar junto aos seus representantes no Congresso para que eles lutem para tipificar como crime o tipo de humor que te ofende. Se a sua reclamação for socialmente majoritária, você tem chance de vê-la virar lei.
Numa sociedade democrática, creio, essas são as opções que temos diante do que nos ofende, inclusive piadas. Querer estabelecer o que pode ou não ser dito, quais temas podem ou não ser objeto de piadas, me parece antidemocrático.
Posso imaginar a dor de um pai autista, de uma vítima de estupro ou de um sobrevivente do Holocausto, mas querer calar a boca de quem faz piadas sobre estes assuntos não vai resolver os seus problemas. Também posso imaginar o incômodo que todos os tipos de minoria sentem ao ouvir piadas a seu respeito, mas o combate ao preconceito não se dá pela repressão, mas pela educação.
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