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JN corrige Cleber Machado, que culpou uruguaios por briga no Pacaembu

Mauricio Stycer

24/06/2011 01h22

Quem estava no Pacaembu na noite de quarta-feira e não parou de olhar para o campo, em vez de comemorar, quando o juiz apitou o final da partida, espantou-se com os torcedores do Santos que invadiram o gramado.

Entre os muitos invasores, correndo feito um louco, havia um homem de malha branca. Ele foi na direção de um jogador uruguaio e, de onde eu estava, tive a impressão que o agrediu. No mínimo, o atleta do Peñarol foi provocado grosseiramente.

Começou, então, uma briga generalizada em campo, entre jogadores uruguaios e jogadores e torcedores santistas, contida pela Polícia Militar depois de cerca de três minutos.

Quem estava em casa, assistindo a partida pela Rede Globo, foi apresentado a uma versão totalmente errada e distorcida dos acontecimentos. A transcrição dos primeiros minutos após o apito final mostra uma sucessão impressionante de equívocos, preconceitos e ofensas injustas aos uruguaios.

"Olha a ignorância dos uruguaios", diz o técnico Muricy Ramalho, à beira do gramado, segundos depois do fim do jogo. Começa então o show de desinformação do narrador Cleber Machado, ajudado pelo comentarista Caio Ribeiro e pelos repórteres em campo.

"É lamentável. É lamentável. É lamentável", diz Cleber. "É sempre a mesma coisa", responde Caio. "Enquanto o futebol uruguaio achar que na botinada, na valentia, vai ganhar alguma coisa", prossegue Cleber. "Ficou aquele buraco de conquistas. E, de repente, sem saber perder…"

O discurso do narrador não é muito articulado, mas ele parece sugerir que a violência dos torcedores é causada por brigas de  jogadores, como esta que os uruguaios estariam promovendo. "Eu não sei o que aconteceu. Você não sabe. Ninguém ouviu o que aconteceu lá dentro. Mas é pra isso? É pra isso? E depois a gente fala que o torcedor fica violento, entendeu?"

Depois, evoca exemplos de times que perderam partidas importantes e não brigaram. "O Manchester United fez alguma coisa quando perdeu do Barcelona? O Internacional fez alguma coisa quando perdeu do Mazembe? E outros tantos. Não precisa disso. Não precisa disso".

Um repórter entrevista Neymar à beira do gramado. "O que você pode falar? O que passa na sua cabeça neste momento? Esquecendo esse momento dos uruguaios…" E Neymar diz: "Isso aí é de quem não sabe perder. Larga esses caras pra lá. Tem que comemorar…"

A palavra volta a Cleber Machado, que diz: "E foi bem, Neymar. 'Deixa os caras pra lá e vamos comemorar'. E a polícia, já que eles não querem parar, a polícia tem que tirar do campo", convoca o narrador. Abel Neto pede a palavra para ouvir Elano e, antes de perguntar qualquer coisa, fala: "Agora, apesar desta ignorância, desta briga dos uruguaios, é hora dos santistas festejarem, Elano."

Menos de 24 horas depois, na noite de quinta-feira, o mesmo Abel Neto, no "Jornal Nacional", dedicou 15 segundos de sua reportagem sobre a conquista do Santos para corrigir os erros cometidos pela equipe da Globo ao final da partida.

Ainda que não tenha mencionado o desastre ocorrido na véspera, disse ele, enquanto uma imagem mostrava o santista responsável pelo início da briga: "Festa atrapalhada por este torcedor santista. Ele invadiu o campo, provocou os jogadores do Peñarol e a pancadaria começou. A briga só parou com a chegada da polícia."

Erros acontecem, mas é surpreendente que ninguém da equipe da Globo tenha visto uma cena que inúmeros outros repórteres presenciaram com razoável nitidez. E que tantos profissionais tenham feito afirmações tão seguras sobre algo que não enxergaram direito.

Em tempo: Em seu blog, o jornalista Ricardo Perrone informa que um dos pivôs da confusão já foi identificado. Trata-se de um jovem de 18 anos, Eric, filho do delegado Osvaldo Nico, vice-presidente do TJD da Federação Paulista.

Fotos da briga: AP

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.