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“Beijo gay” em novela do SBT não passou de peça de marketing

Mauricio Stycer

01/07/2011 12h39

Novelas são obras abertas e sofrem influencias variadas ao longo do tempo que permanecem no ar.  O papel dos espectadores costuma ser decisivo. Manifestando seus humores em relação a aspectos das tramas e dos personagens, colaboram diretamente, obrigando os autores a mudar o rumo das histórias que planejaram.

De todas as novelas hoje no ar, em pelo menos duas as alterações provocadas por pressão da audiência são muito visíveis e têm sido discutidas publicamente.

"Morde & Assopra", na Globo, como escreveu nesta sexta-feira o colunista Flavio Ricco, aqui no UOL, é uma delas. Núcleos originalmente importantes perderam espaço e atores viram seus papéis minguarem, enquanto outros ganharam espaço não previsto.

Em "Amor e Revolução", no SBT, a submissão aos humores do público parece ser ainda mais determinante. Com dificuldades no Ibope desde que foi ao ar, a novela de Tiago Santiago transformou efetivamente o espectador em coautor. Centrais na trama, que se passa durante a ditadura militar, as cenas de tortura foram drasticamente reduzidas em função do incômodo que provocaram.

A novela surpreendeu ao mostrar um beijo entre duas mulheres, o primeiro numa telenovela brasileira, e o autor se animou a prometer que estenderia a ousadia, apresentando um beijo entre dois homens.

Em comunicado divulgado na quinta-feira, a emissora informou, porém, que desistiu da ideia. Diz o texto: "O SBT realizou uma pesquisa para avaliar o desempenho de 'Amor e Revolução'. A pesquisa apontou a insatisfação do público em geral em relação as cenas de violência demasiada e beijo gay explícito."

Ao dar ao público o poder, de fato, de reescrever a sua novela, o SBT torna secundário o papel do autor que assina a novela. E reforça a impressão de que o tal beijo entre as duas personagens femininas não passou de uma estratégia de marketing, mal-sucedida.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.