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Livro de assessor de Roberto Marinho traz elogios, mas poucas novidades

Mauricio Stycer

30/08/2011 07h10

Além de Roberto Marinho (1904-2003), que apostou no negócio, há consenso que dois outros homens foram fundamentais para a consolidação e o sucesso inicial da Rede Globo: Walter Clark (1936-1997) e Jose Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni (nascido em 1935).

Há, porém, um quarto nome nesta história, nem sempre mencionado, o do americano Joe Wallach, um nova-iorquino nascido em 1923, cuja participação nestes anos iniciais da emissora carioca é considerada tão importante quanto a dos dois executivos brasileiros.

Nunca se conheceu em detalhes o papel de Wallach na Globo, nem mesmo quando ele prestou depoimento numa CPI do Congresso brasileiro, em 1966, instalada com o objetivo de averiguar a atuação do grupo de mídia americano Time-Life na empresa comandada por Marinho (na foto à esq., os dois, no Natal de 1978).

Entre 1962 e 1970, o grupo estrangeiro investiu cerca de US$ 6 milhões na Globo. Com formação na área de contabilidade e administração, Wallach chegou ao Rio em agosto de 1965, enviado para cuidar dos interesses do sócio de Marinho. Cinco anos depois, com a saída da Time-Life do negócio, naturalizou-se brasileiro e permaneceu na emissora, como "superintendente executivo", até 1980.

Em "Meu Capítulo na TV Globo", que acaba de publicar, Wallach anuncia a intenção de contar a história de seus 15 anos na Globo. Era, por motivos óbvios, um depoimento muito esperado, mas que resulta altamente frustrante.

Além dos elogios ao "grande líder" Roberto Marinho, que se repetem a cada página, há poucas novidades e informações relevantes que já não fossem conhecidas por quem se interessa pela história da televisão no Brasil.

Para quem aprecia o gênero, duas outras biografias tratam deste período inicial da Rede Globo com riqueza muito maior de detalhes. "Roberto Marinho", de Pedro Bial, lançado em 2005, traz a versão oficial da história. E "O Campeão de Audiência", de Walter Clark e Gabriel Priolli, publicado em 1991, apresenta o olhar do principal executivo do grupo, 14 anos depois de ter sido demitido.

Wallach descreve a situação de caos financeiro e administrativo da Globo nos seus primórdios, a sua ajuda na ascensão de Clark ao posto de principal executivo da emissora e o seu papel como confidente e garoto de recados de Roberto Marinho.

A demissão de Walter Clark (esq.), então um dos executivos mais bem pagos no Brasil, com salário de US$ 1 milhão ao ano, merece um exame mais detalhado de Wallach. O americano observa, de passagem, que Roberto Marinho sentia ciúmes de Clark, mas atribui a decisão de afastá-lo ao seu "alcoolismo".

Gabriel Priolli, para quem Clark ditou suas memórias, lembra a este blogueiro que o executivo era "um empregado que aparecia mais do que o patrão, e parecia até mais dono da Globo que o próprio dono". Segundo o jornalista, "Walter tem certeza de que foi isso, mais do que qualquer outra coisa, que azedou a maionese dele", embora reconheça que seus excessos com bebidas e drogas tenham lhe causado problemas.

Na sua autobiografia, Clark conta que foi Wallach quem o encontrou, por telefone, em um hotel em Nova York, em maio de 1977, e lhe deu a noticia da demissão. Em seu livro, o americano é categórico: "Da minha parte, jamais disse uma palavra". Segundo ele, foi Clark quem telefonou "bêbado" e disse: "Joe, sei que ele (Roberto Marinho) vai me mandar embora. Se você não conseguir uma indenização decente para mim, vou te matar".

Outro episódio importante, sobre o qual há divergências nos relatos de Clark e Wallach, diz respeito à criação do "Jornal Nacional", em 1969. O brasileiro diz que Armando Nogueira (1927-2010), diretor de jornalismo da emissora, foi contra, inicialmente, o projeto. Achava que a emissora não tinha condições técnicas de realizá-lo. Já o americano diz que deve-se  a Nogueira "a grande liderança na criação e expansão do JN".

Dos quatro personagens-chave ligados ao nascimento da Globo, só falta a biografia de Boni (na foto com Wallach, em Angra dos Reis, em 1980). É um livro aguardado há muito tempo, sobre o qual volta e meia se diz que ele estaria escrevendo. Espero, se vier, que traga mais novidades e menos elogios.

Mais informações: "Meu Capítulo na TV Globo", de Joe Wallach (Topbooks, 232 págs., R$ 49). "Roberto Marinho", de Pedro Bial (Jorge Zahar, 400 págs, R$ 59). "O Campeão de Audiência", de Walter Clark com Gabriel Priolli (Editora Best-Seller, 422 págs., esgotado, mas facilmente encontrado em sebos)

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.