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Tipos de Leitor – O Íntimo

Mauricio Stycer

21/12/2011 06h01

Depois de quatro anos atuando como jornalista na internet, resolvi colocar no papel algumas reflexões e sentimentos sobre o impacto que esta nova especialidade está produzindo no meu ofício. Resultou deste esforço a série Tipos de Leitor, que comecei a publicar em março.

Muita gente criticou a série, por enxergar nos textos uma tentativa de desqualificar os leitores que comentam o meu trabalho. Lamento dizer que é exatamente o oposto. O que me move é justamente o fascínio pela nova forma de relação entre jornalista e leitor promovida pelo meio (a internet) que mudou a forma de se fazer jornalismo.

Uma imagem que sempre me orientou no trabalho, ouvida quando ainda escrevia numa Remington, é que o primeiro parágrafo de qualquer texto deveria produzir no leitor o impacto que alguém sente, numa briga, ao ser agarrado pelo colarinho da camisa e levantado do chão.

Procuro até hoje não perder de vista esta imagem, e sigo tentanto agarrar o leitor pela camisa, mas agora, ao mesmo tempo, também enxergo outra. Desde que passei a publicar na internet, escrevo pensando que o leitor, a qualquer momento, sairá de dentro da tela do computador, me agarrará pela camisa e me fará perguntas e críticas. "Por que você escreveu isso?" "O que quis dizer?" "Viu o erro que cometeu?" E por aí vai…

Já é lugar comum falar deste impacto – a presença do leitor – no trabalho do jornalista, a diferença entre receber uma ou duas cartas por causa de um texto e hoje ver 300 comentários por conta de outro. Não vou me estender sobre isso.

Menos discutido, creio, é a ilusão de proximidade que este leitor sente. Assim como eu o enxergo saindo da tela para me interpelar, ele também se imagina na mesma situação, entrando no meu escritório para conversar, discutir e contestar os meus textos. E, pior, ele supõe estar estabelecendo uma relação de intimidade com o autor.

Vou dar dois exemplos recentes que reforçam este meu ponto de vista.

Gosto de acompanhar os comentários da atriz Luana Piovani no Twitter. Ela é desbocada, engraçada e, muitas vezes, incompreensível. Sempre me divirto com o que ela escreve e, eventualmente, reproduzo. Uma leitora reclamou: "Vou deixar de seguir @mauriciostycer porque ele dá RT na Piovanta! Pior que tem meia dúzia de jornalistas que se dizem sérios como o @mauriciostycer que fazem questão de dar RT nas merdas da PIOVANTA." É evidente a decepção da leitora comigo. Na imagem dela, são coisas incompatíveis um "jornalista sério", como supostamente eu seria, gostar do que Luana Piovani escreve.

A Globo exibiu no domingo o Festival Promessas, um evento destinado a cantores gospel. Foi, tudo indica, um gesto de aproximação com evangélicos. Li muitos textos a esse respeito, inclusive no UOL, e não vi motivos para tratar do assunto no meu blog. Posso ter feito uma avaliação errada, mas para os leitores que me inundaram de mensagens, cobrando um texto a respeito, a razão é outra: "Me contaram que você é evangélico, não sabia. Então deve ter vibrado com o Festival Gospel da Rede Globo, tá explicado".

Os dois casos mostram reações de pessoas que parecem acreditar na ilusão de que me conhecem e entendem tanto quanto eu do meu trabalho. Parecem achar, de fato, que entram pela tela do computador e me vêem.

É preciso aprender a lidar com esta expectativa, mas isso não significa se render a ela. Aprendo demais com os leitores, leio tudo que me escrevem, levo muito em consideração o que dizem e publico todos os comentários que me ofendem, excluindo apenas os que possam configurar crime.

Continuo tentando entendê-los, motivo pelo qual não vou parar com a série Tipos de Leitor. Aceito, por isso, em contrapartida, que o leitor me rotule como quiser. Só espero que ele tenha, como eu tenho, humildade de reconhecer que ainda não nos conhecemos o suficiente.

(No cartoon acima, publicado na revista "New Yorker", um cão diz ao outro: "Na internet, ninguém sabe que você é um cachorro")

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.


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