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Chico para ouvir em silêncio

Mauricio Stycer

02/03/2012 10h56

São 21h55 quando Chico Buarque entra no palco do HSBC Brasil, em São Paulo. Camisa de manga comprida preta, calça preta, tênis e meia pretos, caminha com passos rápidos até o microfone, olha rapidamente para a plateia e canta "O Velho Francisco", linda canção em que desfia as memórias de um ex-escravo: "Quem me vê, vê nem bagaço / Do que viu quem me enfrentou / Campeão do mundo / Em queda de braço / Vida veio e me levou".

Encerrada a primeira música, fala com o público. "Obrigado. Boa noite, São Paulo. Boa noite". E mais nada. Emendando uma na outra, canta quase todas as músicas do novo CD. O público acompanha em silêncio, aplaudindo brevemente, na expectativa de cantar junto com o músico os seus maiores sucessos.

Mas Chico oferece poucas oportunidades para os fãs transformarem seu show num "karaokê". É verdade que canta "Bastidores", "Teresinha", "Anos Dourados" e "Ana de Amsterdã", mas foge do óbvio, o que é louvável.

Tímido e tenso, como é de sua natureza, Chico demora um pouco a soltar a voz. Já assisti a vários shows seus e, como sempre, ele nunca parece totalmente à vontade no palco. Sentado num banquinho quase o tempo todo, transforma o espetáculo num recital tranquilo, que exige contemplação, mas não permite participação.

Quando canta "Cálice", incorpora os versos que o rapper Criolo fez para a música ("Pai, afasta de mim a biqueira") e deixa parte da plateia perplexa. Depois de "Geni", volta a falar brevemente, para apresentar os músicos que o acompanham, os mesmos de décadas. Todo de branco e chapéu de palha, o baterista Wilson das Neves canta com Chico "Sou Eu".

No momento mais divertido do espetáculo, Chico e Wilson das Neves duelam pela mesma mulher na deliciosa "Tereza da Praia", de Tom Jobim. "É da praia / Não é de ninguém / Não pode ser tua / Nem minha também / Tereza / É da praia".

Chico aceita o chapéu do baterista e leva o show até o fim, novamente sentado. Volta para um bis, depois volta para um segundo bis, sem falar nada – nem mesmo uma palavra sobre o amigo Lucio Dalla, morto na manhã de quinta-feira. No momento de maior descontração, ao fim do último bis, agradece aos fãs com uma breve corridinha pela extensão do palco e vai embora.

Em tempo: Com ingressos lotados para todos os shows da turnê em São Paulo, o HSBC Brasil exige muita paciência do público. Além dos preços exorbitantes (R$ 5 uma água, R$ 7 uma lata de cerveja sem gelo, R$ 30 para estacionar), o ar-condicionado da casa não deu conta do calor e, à saída do espetáculo, pessoas esperaram mais de 30 minutos para receber seus carros.

Leia mais: Um relato do show, a lista completa das músicas e um vídeo com Chico cantando "O Meu Amor" podem ser vistos aqui.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.