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Telejornal ensina a fazer muffin, mas promete: “A gente volta a falar daquele assunto importante”

Mauricio Stycer

08/03/2012 06h01

Quarta-feira, dia tenso em São Paulo, o "SPTV 1ª Edição", da Globo, desdobra-se na cobertura sobre o impacto da greve de caminhoneiros na distribuição de combustíveis na cidade. A extensa – e excelente – cobertura do telejornal inclui várias reportagens e entrevistas ao vivo, que contemplam os mais variados aspectos do problema.

Apresentado por Cesar Tralli, o telejornal também trata de casos policiais, da investigação sobre o acidente fatal no Hopi Hari, da previsão do tempo, dos preparativos para o jogo do Corinthians, de uma briga no treino Palmeiras…

Até que, depois de 22 minutos de notícias, tem início um bloco "leve". "Como os pais podem preparar refeições saborosas e saudáveis para os filhos", anuncia. Por três minutos, a repórter mostra os preços das frutas numa feira livre.

Depois, ao longo de mais três minutos, uma chef ensina a fazer um muffin de laranja caseiro. Por fim, Tralli ocupa mais três minutos do programa entrevistando uma nutricionista do Hospital das Clinicas, que responde à seguinte pergunta. "O que os pais podem fazer se os filhos não conseguem comer verduras, legumes, frutas?"

Encerrada a entrevista, Tralli dirige-se ao espectador e deixa escapar, num improviso, toda a sua impaciência com a situação: "E a gente volta a falar daquele assunto importante, né, que é o combustível em São Paulo."

Ou seja, depois de uma eternidade (dez minutos) falando sobre frutas, muffins e verduras, o apresentador pede licença para voltar a tratar do que interessa. E o noticiário  apresenta mais notícias sobre a greve, relata outros casos policiais e exibe uma reportagem feita pelo "parceiro do SPTV" sobre as ruas de terra em Franco da Rocha.

Foi, enfim, uma edição interessante. Deu uma boa ideia das dificuldades enfrentadas pelo jornalismo na televisão, hoje dividido entre a sua vocação primeira, a informação, e este desejo de se aproximar do espectador, sem saber bem como, para sugerir uma proximidade com ele.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.