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Jornalismo não combina com “pegadinha”

Mauricio Stycer

15/03/2012 10h28

Comentei a estreia da nova temporada de "A Liga" no texto abaixo, publicado quarta-feira no UOL.

"A Liga" volta com depoimentos fortes, mas exibe vícios do mau jornalismo

Em sua terceira temporada, "A Liga" é um bom exemplo de que não é necessário ser jornalista para fazer jornalismo – bom ou mau jornalismo. Agora com Lobão e Cazé no lugar de Rafinha Bastos, a equipe conta com cinco profissionais para desenvolver este projeto interessante, mas com vícios da pior espécie.

Os novos repórteres do programa da Band se juntaram a Thayde, Sophia Reis e Debóra Villalba na tarefa que, para eles, tem caráter de missão: a investigação aprofundada de um assunto, a cada semana, aproximando-se sem temor do seu objeto, expondo indignação e cobrando soluções para os problemas exibidos.

O tema da estreia, em 2012, foi violência contra a mulher. Destaco três depoimentos impressionantes, que valeram o programa: o de um agressor confesso, dado a Lobão, o de uma vítima, que conversou com Sophia Reis, e o de Maria da Penha, entrevistada por Cazé.

Os problemas, porém, superaram os bons momentos.

Lobão foi o primeiro a intervir, apresentando uma "pegadinha": um casal de atores simulou brigar na rua para ver como os pedestres reagiam à situação. Recurso baixo, também muito usado pelo "CQC", na própria Band, e pelo programa "Legendários" da Record, este tipo de expediente aproxima o jornalismo do show e tira toda a sua credibilidade.

Cazé também se aproveitou de um ator, infiltrado num boteco, para mostrar como os homens são machistas. "O machismo está enraizado na pele do brasileiro", concluiu, apressadamente, depois de exibir a "pegadinha".

Sophia Reis foi a uma delegacia da mulher. Conseguiu um depoimento fortíssimo de uma vítima de repetidas agressões do marido. Não satisfeita, porém, estendeu o microfone ao filho de três anos da vítima, para que ele também falasse a respeito. A repórter chorou, como muitos espectadores devem ter chorado, diante desta apelação desnecessária.

Já Debóra Villalba acompanhou uma ação da polícia, chamada a intervir em um caso de agressão. Reportagem ao estilo dos noticiários vespertinos, que sempre começa dentro do carro da polícia e termina, de forma invasiva, dentro do apartamento da vítima, expondo detalhes sórdidos.

"A Liga", enfim, volta com força. Depoimentos fortes, repórteres corajosos, dispostos e indignados. Mas com apelações desnecessárias, que igualam o programa aos piores exemplos do jornalismo praticado na televisão.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.