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"Missão dada é missão cumprida", pode dizer Aguinaldo Silva

Mauricio Stycer

25/03/2012 21h03

Se a ideia era levantar o Ibope das 21h, Aguinaldo Silva cobriu-se de glórias. "Fina Estampa" foi a novela do horário com maior audiência desde "A Favorita", de João Emanuel Carneiro, exibida em 2009.

Mais importante do que isso, como ele próprio lembrou diariamente no Twitter, a novela elevou de forma significativa o patamar de audiência da Globo no horário. Depois de três produções ("Insensato Coração", "Passione" e "Viver a Vida") com audiência média na faixa dos 35 pontos, "Fina Estampa" alcançou uma média de 39 pontos.

"Missão dada é missão cumprida", pode dizer o autor da trama. Ou ainda, como gosta: "FOM FOM!!!"

Para cumprir esta missão, Aguinaldo Silva apostou numa trama extremamente simples e popular. O bem contra o mal sem nuances. Griselda, vulgo Pereirão, contra Teresa Cristina.

De um lado, com tintas naturais, uma mulher trabalhadora, de princípios retos, corajosa, dedicada aos filhos e amigos. Do outro, em tom de farsa, uma mulher nascida rica, inescrupulosa, invejosa e má.

Um golpe do destino, o bilhete da loteria, ajudou Griselda a demonstrar como não se distanciar jamais dos princípios corretos. Virou milionária, foi morar numa mansão, mas jamais contratou uma empregada ou faxineira e continuou usando o macacão no trabalho.

A personagem foi uma espécie de ação de responsabilidade social ambulante, sempre pronta a matraquear lições de moral de almanaque. O filho arrivista (Antenor), o genro mau caráter (Rafael) e a nora bandidinha (Teodora) terminaram a novela sob as suas asas, mostrando que entenderam a diferença entre o certo e o errado.

O antídoto contra essa chatice politicamente correta foi a vilã de desenho animado que Aguinaldo criou e deixou voar. Ao redor de Teresa Cristina, gravitou um núcleo de humor, que acabou se destacando, formado pelo mordomo Crô, o motorista Baltazar, o segurança Ferdinand e a empregada Marilda, além de agregados, como Pereirinha, o delegado incompetente e tantos outros.

Sem preocupação alguma com o realismo ou a lógica, as tramas de "Fina Estampa" obedeceram basicamente à missão que Aguinaldo Silva recebeu: levantar a audiência. Personagens entraram e saíram sem avisar, outros permaneceram sem dizer a que vieram, núcleos perderam espaço de uma hora para outra e até mesmo uma outra novela (o caso da "barriga de aluguel") ganhou vida dentro da novela original.

O último capítulo não fugiu ao ritmo da trama. Os últimos golpes de Teresa Cristina e a sua fuga, no barquinho de Pereirinha, foram coerentes com o delírio visto nos 184 capítulos anteriores, mas em dimensão épica. O discurso final de Griselda, na formatura do filho médico, igualmente, não foi muito diferente das lições que ela martelou por sete meses.

A favor do autor, é preciso dizer que apelou pouco aos golpes baixos clássicos – sexo, violência, adultério, chacinas, miséria, vilões psicopatas etc. Ainda assim, não conseguiu arrumar uma explicação convincente para a sanha de Tereza Cristina contra a família de Griselda. No desfecho, a vilã afirmou agir por "vício", um argumento de quem não tinha realmente argumento.

Mas, a título de comparação, "Insensato Coração", que antecedeu "Fina Estampa", construiu-se inteiramente em cima de recursos deste tipo. A novela contabilizou 25 mortes, uma a cada 7,4 capítulos.

Se não apelou muito, Aguinaldo Silva, por outro lado, criou uma novela que não deixa marcas, com exceção, talvez, do tom infantil criado por Marcelo Serrado para Crô. "Mas juro a vocês que vou ficar dois anos sem falar de audiência… Até minha próxima novela", promete o autor.

Obs: Publiquei este texto originalmente na noite de sexta-feira, aqui.

Foto: Caras

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.