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Duas ou três coisas sobre Hebe Camargo

Mauricio Stycer

27/10/2012 12h09

Sem internet e mantendo boa distância do aparelho de televisão numa praia em Alagoas, não acompanhei com a devida atenção a comoção causada pela morte de Hebe Camargo (1929-2012), ocorrida no último dia 29 de setembro. Só ao voltar pude ler e ver as muitas manifestações e homenagens prestadas à apresentadora. Creio que quase tudo foi dito. Aproveito agora a lembrança  dos 30 dias da morte para fazer duas ou três observações.

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De tudo que li a respeito, o mais preciso me pareceu o depoimento de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, à revista "Gente": "Ela ensinou a espontaneidade e como praticar uma linguagem coloquial, que é a correta para a comunicação na televisão. O que ela era na vida real, atrás das câmaras, era também no seu programa. A sinceridade de Hebe era transparente e eu a usei como exemplo para várias pessoas que estavam começando".

O depoimento ajuda a explicar porque Hebe nunca trabalhou na Globo. Detalhista e rigoroso, Boni ajudou a implantar o chamado "padrão de qualidade" na emissora – um modelo avesso à improvisação e espontaneidade.

Chacrinha talvez seja a única exceção ao tal padrão de qualidade. Mas quem leu a biografia de Boni sabe como foram conflitantes as relações do executivo com o apresentador justamente por conta do estilo incontrolável deste último.

De todos os apresentadores hoje da Globo, Faustão talvez seja o único que se enquadre no perfil descrito por Boni, mas mesmo assim devidamente "enquadrado". Ele nunca foi sombra do apresentador espontâneo do "Perdidos da Noite", que o consagrou na Band.

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O elogio à espontaneidade de Hebe inclui uma grande condescendência com o seu notório mau gosto. Faz parte do seu perfil.

Vendo fotos de sua casa, descobri que ela tinha duas colunas gregas na sala de estar. A apresentadora se vestia com roupas extravagantes e tinha o péssimo hábito da ostentação de jóias e outros sinais de riqueza.

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Hebe deixa herdeiras? Ricardo Feltrin escreveu um interessante texto a respeito, lembrando que a própria apresentadora certa vez nomeou Adriane Galisteu como sua herdeira. Hebe foi muito gentil, mas acertou longe demais do alvo. Acho Astrid Fontenelle uma rara apresentadora com as características que Boni descreveu. Não à toa, foi convocada pela própria Hebe para ajudá-la a apresentar o seu programa num breve período em 2011.

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A reação à morte de Hebe e o comportamento que dois dos maiores ídolos populares do país, Roberto Carlos e Silvio Santos, tiveram na despedida à apresentadora diz muito sobre ambos. O primeiro foi emotivo, como sempre, e o segundo, incompreensível. O "selinho" de Silvio em Hebe no velório, seguido da propaganda que fez do Teleton, entra para a história das bizarrices do dono do SBT.

 

Fotos: AgNews (alto), FotoRioNews (Silvio) e reprodução "Gente" (casa)

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.