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Comparação entre Tufão e Theo ajuda a explicar resistência a "Salve Jorge"

Mauricio Stycer

22/11/2012 06h01

Há quem considere que "Avenida Brasil" operou uma pequena "revolução" no formato das novelas. Não concordo muito, mas vou aceitar a ideia para desenvolver o argumento de que, na comparação, "Salve Jorge" representa a "restauração" do gênero.

Gloria Perez tem sido "acusada" de se repetir em "Salve Jorge". Todo mundo viu traços de outras novelas da autora nesta sua mais recente produção, mas acho que a questão principal, o que tem causado incômodo, é o seu respeito a um certo padrão de folhetim de televisão.

O perfil do personagem principal masculino expressa de forma muito evidente esse movimento de volta à velha e boa novela que conhecemos. Tufão (dir.), um homem doce, mas frágil, sem vontade própria, manipulado pela esposa, foi substituído por Theo (acima), um sujeito capaz de gestos de amor e dedicação à mulher amada, mas também de firmeza e, até, algum machismo.

A letra da canção de Roberto Carlos desenha de maneira exemplar o personagem vivido pelo galã Rodrigo Lombardi: "O cara que pega você pelo braço / Esbarra em quem for que interrompa seus passos / Está do seu lado pro que der e vier / O herói esperado por toda mulher / Por você ele encara o perigo / Seu melhor amigo / Esse cara sou eu".

"Salve Jorge" tem alguns problemas, mas acho que é preciso cuidado para não misturar os erros e falhas da novela com as características que incomodam por representarem um contraste em relação a "Avenida Brasil".

Não vejo problema algum no fato de a novela apresentar núcleos em lugares remotos ou exóticos. O Divino mostrava de forma totalmente idealizada, mas convincente, um subúrbio carioca. Incomoda a representação em tom folclórico (dir.) da vida de uma comunidade na Capadócia, presa a tradições seculares, que não dizem respeito algum ao espectador nem produzem curiosidade.

"Salve Jorge" tem muitos personagens, "Avenida Brasil" era enxuta, alguns espectadores reclamam. Confesso que acho divertido este entra e sai de gente na novela. O problema não é o número, mas o fato de haver personagens mal construídos, repetitivos ou sem função.

A personagem de Aisha (esq.), por exemplo, parece existir exclusivamente para discutir o tráfico internacional de bebês. É louvável a preocupação de Gloria Perez com o assunto, mas isso não a exime da obrigação de inserir o tema na ficção com sabor, o que não está conseguindo até agora.

Não sou analista de dados de audiência para explicar as razões pelas quais o Ibope de "Salve Jorge" está abaixo da expectativa. Mas acredito que a "saudade" de "Avenida Brasil", declarada abertamente nas redes sociais, diz menos dos problemas da novela de Gloria Perez e mais da dificuldade de parte do público em aceitar essa "restauração" que autora está propondo.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.