Com ousadias e bizarrices, “Amor à Vida” começa com gosto de X-Tudo
Mauricio Stycer
25/05/2013 08h01
É com alívio, depois da decepção causada por "Salve Jorge", que o público está recebendo "Amor à Vida". A novela de Walcyr Carrasco tem todos os elementos necessários, talvez até demais, para prender a atenção e divertir o espectador pelos próximos sete meses.
No primeiro texto que escreve para o horário das 21h, Carrasco apostou numa receita eclética, misturando variadas fórmulas e modelos já testados. Os primeiros cinco capítulos mostram o autor atirando em todas as direções, no esforço de agradar a gregos e troianos.
Diferentes conflitos já foram lançados ou insinuados. Há dúvidas sobre a maternidade da filha. O filho é gay, mas mantém uma vida de fachada, casado com uma estilista, Edith (Barbara Paz). Felix tem ciúmes de Paloma, que, ingênua, confia no irmão.
Há todo um núcleo, ainda apenas esboçado, dentro do hospital. Ali, em clima de "Grey's Anatomy", vão se desenrolar as mais variadas situações. Pelas chamadas, sabemos que Pilar suspeitará que
Outro núcleo clássico, presente em dez entre dez novelas, gira em torno da família de Ordália (Eliane Giardini) e Denizard (Fúlvio Stefanini). São trabalhadores, honestos, dão duro na vida e têm sotaque paulistano típico, "italianado". O casal tem quatro filhos batalhadores, entre os quais Bruno (Malvino Salvador, foto), que vai se apaixonar por Paloma.
No esforço de arrebatar o espectador, "Amor à Vida" apelou para o melodrama pesado em diversas situações. Num mesmo capítulo, Paloma deu à luz no chão do banheiro de um bar, teve o bebê roubado, foi internada no hospital e seu pai sofreu um enfarte. Para coroar, uma cena mostrou a filha carregando o soro enquanto caminhava pelo hospital, indo visitar o pai, deitado em outro quarto.
Pelos exageros e inverossimilhanças de muitas situações nestes primeiros dias, houve quem lembrasse até de Gloria Magadan (1920-2001), mas Carrasco deve ter bebido mesmo na fonte de Gloria Perez. Só voando muito para aceitar que, ao encontrar um bebê numa caçamba, num beco, no meio da noite, Bruno fosse socorrido por um táxi, por exemplo.
Mas, especialmente, "Amor à Vida" parece ter encontrado em "Avenida Brasil" a iluminação que precisava para capturar o espectador. Em primeiro lugar, graças a uma direção competente, atualizada, a novela tem ritmo intenso, cara de cinema e elenco aparentemente bem orientado.
Carrasco também está sendo comparado a João Emanuel Carneiro por desenhar um vilão forte, bem caricato, capaz de provocar empatia e divertir o público. Felix virou o xodó do Twitter em poucos capítulos, assim como Carminha, embora a caracterização do ator e o texto do autor estejam longe de apresentar um "gay enrustido", como prometido, oferecendo um personagem com orientação sexual explícita.
Para compensar a ousadia, o autor tem brindado o público com estranhas mensagens religiosas e místicas, como em outras novelas suas. Logo na estreia, quando Bruno encontra o bebê no lixo, ele diz: "Deus me deu uma nova chance!". Já no segundo capítulo, sem saber que é mãe de Paula, Paloma "sente" uma forte ligação com a menina.
Na quinta-feira, em dúvida se fugia com Ninho (Juliano Cazarré), o namorado irresponsável, ou se permanecia com a família, Paloma ouviu o conselho de uma beata na rua, que diz: "Você está triste, não? Pergunta pra Deus, abra seu coração. Deus nunca falha." Paloma, então, evoca Deus e pede "inspiração". Na sequência, ela procura Ninho para dizer que não vai fugir com ele.
"Amor à Vida" produziu a certeza, ao final da primeira semana, que estamos longe dos problemas vistos em "Salve Jorge". Mas, entre ousadias e bizarrices, e muitas influências, a novela corre o risco de gerar uma espécie de X-Tudo, um sanduíche com tantos ingredientes que mal se percebe o seu gosto.
Uma versão mais enxuta deste texto foi publicada aqui, no UOL Televisão.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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